Será que vai haver sempre comida para todos?

A história se encarregará de definir a concreta influência, mas por detrás das convulsões que levaram às recentes quedas do poder na Tunísia e no Egipto está a subida do preço dos alimentos. O mesmo se passa com as manifestações na Argélia e outros países do Norte de África e do Médio Oriente, que vivem dias de brasa com as populações na rua reclamando o fim da pobreza, o que significa basicamente o acesso aos bens de consumo básicos.

E a questão que se coloca é a de perceber como se chegou tão rapidamente a esta situação explosiva. A explicação pode estar no aumento exponencial do preço dos bens alimentares. Mas como se chegou a estes preços e que razões estão por detrás desta subida galopante? Estamos perante uma situação conjuntural ou esta é uma situação com a qual a humanidade se terá que habituar a viver?

Depois da crise de preços de 2008, muito se tem discutido sobre a matéria e os factos pareciam, inicialmente, dar razão aos que apontavam para a acção conjugada do capitalismo especulativo e das alterações climáticas, que desencadearam uma sequência de catástrofes atmosféricas e consequentes más colheitas. Aos incêndios na Rússia, cheias na Austrália e continente indiano e intensos nevões nos EUA juntavam ainda o efeito das grandes quantidades de cereais "desviados" do sector alimentar para produzir biodiesel. A produção de matérias-primas não chegava para satisfazer a procura e os preços dispararam. Era o mercado a funcionar. Simplesmente.

O problema é que, passados apenas cerca de dois anos e meio, a questão volta a colocar-se e todos parecem coincidir na ideia de que a alta de preços é algo estrutural e com o qual a humanidade terá que se habituar a lidar. "O que os mercados das matérias-primas nos estão a dizer é que vivemos num mundo limitado, em que o rápido crescimento das economias emergentes está a pressionar as reservas limitadas, o que faz aumentar os preços", alertou Paul Krugman, Nobel de Economia em 2008.

Produção vs procura

O verdadeiro problema, dizem os especialistas, é que estamos no limiar de uma fase em que a produção de matérias-primas, designadamente cereais, não chega para a procura mundial. E porquê? Basicamente porque o rápido desenvolvimento das economias emergentes - que coincide com os países mais populosos, casos da Índia e China - fez aumentar o rendimento e fez com que haja cada vez mais gente com acesso a uma melhor alimentação. Aquilo que pode ser classificado como a revolução da proteína, isto é, em vastas regiões do mundo a tradicional dieta das três bolas de arroz/dia está a converter-se nas três refeições diárias, até há pouco um privilégio dos países desenvolvidos.

"Uma das causas primárias da crise alimentar é a prosperidade em si mesma", diz Don Coxe, o presidente duma financeira americana ligada ao sector alimentar, num artigo publicado pelo New York Times. Para Kenneth Grassman, professor de Economia na Universidade de Nebraska, "a actual alta dos preços alimentares reflecte a abrupta mudança de um mundo onde a produção de cereais excedia a procura para outro onde a capacidade de produção não é adequada". Entre as causas, aponta "o rápido desenvolvimento económico dos países mais populosos do mundo, o que corresponde a um maior rendimento e um maior consumo per capita".

Questão prioritária

Por sua vez, o especialista espanhol Manuel Vázquez alertou no El País que "a divisão tradicional entre países desenvolvidos e em desenvolvimento já não é tão significativa". Os números mostram que "mais de metade do crescimento económico a nível mundial nos últimos 15 anos foi gerado pelos países emergentes e em desenvolvimento". Significa isto que "o centro de gravidade da economia internacional se desloca rapidamente para o Oriente e o Sul" - já hoje as economias dos países que não são membros da OCDE representam 49% do PIB global e, segundo a previsões, chegarão aos 57% já em 2030.

Para além das questões conjunturais, o rápido aumento dos preços dos alimentos é o resultado do crescimento da procura nas zonas mais populosas do mundo, num contexto de estagnação da produção. Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, já reclamou aos países do G20 que seja dada prioridade à questão da crise alimentar, mas os especialistas mostram-se cépticos quanto à possibilidade de adequar a produção ao rápido crescimento da procura. Enquanto especialistas apontam para um reforço do investimento, melhorando a tecnologia e a investigação em busca de ganhos de produção, outros lembram aquela que no séc. XVIII ficou conhecida como a maldição malthusiana. Thomas Malthus previu então que a capacidade de crescimento da população era infinitamente maior que a da terra para produzir alimentos.

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