"Dá a entender que se aproveitaram da campanha para se livrarem do lixo"

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Limpeza do lixo ontem na região de Aveiro ADRIANO MIRANDA

Ao saber da iniciativa Limpar Portugal, uma empresa da área dos componentes para automóveis terá aproveitado para tentar livrar-se dos seus resíduos

Serra da Freita, Arouca, junto aos Viveiros da Granja, 700 metros de altitude. Chove, sente-se a frialdade, mas o nevoeiro está ainda a uns trinta metros de altura. A certa altura desce rapidamente, chega a uns oito metros, mas ao mesmo ritmo que desceu volta a subir. Os voluntários do Limpar Portugal pararam o jipe numa curva apertada do estradão enlameado.

Da berma vê-se uma mancha de lixo, na vegetação castanha, ao fundo de um talude com cerca de quatro metros. O maior problema vai ser içar um velho colchão, mais pesado por estar ensopado de água. Os voluntários descem em rappel, arnês à cintura, corda presa no jipe. O lixo está mesmo ao lado das águas puras da ribeira da Aveneira, que os agricultores de Arouca utilizam para regar no Verão.

"Alguém morreu, limparam a casa e puseram aqui", é a convicção de Jorge Amorim, de 39 anos, docente, empresário e um dos principais impulsionadores da iniciativa Limpar Portugal. Praticante de caminhadas, calcula que o lixo foi aqui depositado há cerca de um ano.

Os voluntários apanham uma carteira de senhora, branca, com medicamentos dentro, que são separados do resto do lixo. A seguir mais medicamentos, que enchem um balde até meio. Um deles, ainda dentro da validade: Outubro de 2010.

Depois de cerca de uma dúzia de grandes sacos cheios de lixo, içados à força de braços, faltava o colchão. Foi necessário um segundo jipe a puxar uma corda, que passava num gancho do primeiro, para o trazer para a estrada e quatro homens para depois o colocarem na caixa de uma pick-up da Câmara de Arouca, que ficou cheia. E ainda havia trabalho por fazer. O castanho de tojos, fetos, silvas e carqueja nas margens da ribeira escondia afinal muitos trapos. "Há a ideia de que a água leva tudo", diz Jorge Amorim. Quando os voluntários sobem de novo para a estrada fica a terra pelada e negra onde antes estava lixo.

Subimos de carro até aos 1050 metros. O nevoeiro denso e a chuva levam Jorge a indicar ao condutor o sentido das curvas. Parou um autocarro cheio de escuteiros do Agrupamento 1302 de Rossas, Arouca, no Alto da Senhora da Laje. A maior parte são crianças na casa dos seis anos. Por isso estão dentro do autocarro. Mas o seu esforço já valeu a pena: o porão do veículo está cheio de sacos de lixo. "Isto são sobretudo embalagens de quem vem fazer piqueniques", lamenta uma escuteira.

Começámos a descer. Algumas luzes no meio do nevoeiro. Na berma da estrada um monte de recortes em esponja, sobras de matéria-prima usada na construção de bancos para automóveis. Há também um velho computador e uma arca frigorífica calcinada pelo fogo.

Um tractor, com um braço mecânico habitualmente usado para movimentar troncos de árvore, vai carregando os resíduos industriais para uma camioneta. A quantidade total de lixo corresponde sensivelmente à carga de um camião.

José Cerca, de 60 anos, professor de Português, orienta cerca de 200 alunos da escola onde lecciona nesta recolha. A sua indignação não é maior porque já conhecia o crime. "Esta descarga deve ter sido feita há cerca de dez dias. Dá a entender que as pessoas se aproveitaram da campanha para se livrarem do lixo", denuncia.

O caso foi tratado por Isabel Vasconcelos, vice-presidente da Câmara de Arouca e responsável pelo pelouro do Ambiente. A autarca contactou ontem o Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente da GNR para apresentar queixa, mas não foi necessário. A empresa que gere o Parque de Campismo da Freita já o tinha feito. A autarca prefere não nomear nenhum suspeito. "É, ao que tudo indica, uma empresa de fora do concelho", refere apenas. No entanto, Isabel Vasconcelos acrescenta que irá contactar os responsáveis dessa empresa, já amanhã, para os confrontar com a situação e obrigá-los a dar um destino ao monte de esponjas. "É uma situação absolutamente escandalosa e isto é uma parte negativa que ninguém imaginava: aproveitarem-se da limpeza de dia 20 para se livrarem de resíduos."

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