Derrota de Nobre azeda relações entre PSD e CDS

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Nobre na bancada do PSD: um dia

Deputado independente falhou apoio do PSD e retirou-se da corrida a presidente da AR. Guilherme Silva e Mota Amaral estão na calha

O chumbo do Parlamento a Fernando Nobre gelou a bancada "laranja" e foi o primeiro momento de tensão entre PSD e CDS. Antes mesmo de o Governo de coligação tomar posse e reunir-se pela primeira vez em Conselho de Ministros, hoje à tarde. Entre os sociais-democratas há agora um grande azedume por o parceiro de coligação ter deixado que o PSD tivesse a sua primeira derrota na Assembleia da República (AR).

"Uma falta de bom senso" da parte do CDS, comentou ao PÚBLICO um deputado e dirigente social-democrata. Com duas eleições falhadas, e sem memória de um presidente da AR eleito à terceira volta, Nobre retirou-se da corrida à presidência da AR e vai continuar no Parlamento. Enquanto se sentir "útil ao país".

Hoje de manhã, e antes da posse do Governo, Pedro Passos Coelho vai fechar este dossier: reúne a Comissão Permanente do PSD e escolhe o candidato, a tempo de ser submetido a votos, pelas 16h. Guilherme Silva, vice-presidente social-democrata que ontem dirigiu os trabalhos, e Mota Amaral, que presidiu ao Parlamento entre 2002 e 2004, são dois nomes possíveis. O parlamentar madeirense teve, logo, o apoio de João Jardim. No entanto, outros deputados referiram uma possível "terceira via" - Teresa Morais.

Ontem, antes de o dia ser horribilis para o PSD, o verbo confiar tinha sido conjugado muitas vezes pelo primeiro-ministro indigitado, pelo futuro ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, pelo líder parlamentar cessante, Miguel Macedo. O próprio candidato a presidente da Assembleia também confiava na sua eleição e, aos deputados do PSD pediu, numa reunião à porta fechada, "o benefício da dúvida". Não teve.

O PSD confiava nos contactos quer com o CDS, quer com outras bancadas, como a do PS, para garantir "o apoio suficiente" a Nobre. Foi isso que Passos Coelho disse aos seus deputados, a quem pediu "forte empenho" na hora de votar. Sabendo ele que o nome do médico e presidente da AMI estava longe de ser consensual dentro da sua própria bancada. A oposição (PS, PCP, BE e PEV), já se sabia, tinha anunciado que era contra.

O primeiro "não" dos deputados, ao início da tarde, abalou a confiança entre os "laranjinhas". O ex-candidato presidencial teve 106 votos e ficou a dez dos 116 necessários.

Entre a primeira e a segunda votação, sabe o PÚBLICO, ainda houve contactos entre o PSD, nomeadamente através de Miguel Relvas, com o líder do CDS. Contactos para juntar aos feitos nos últimos dias pelo próprio Nobre e por dirigentes sociais-democratas com os democratas-cristãos e outras bancadas.

Voltavam então a ser chamados, um a um, os 230 deputados (faltaram dois, do PS). A segunda votação foi ainda pior. Os deputados, incluindo um número indeterminado do PSD (a eleição foi por voto secreto), não queriam mesmo Nobre como segunda figura do Estado. Resultado final: 105 a favor, 101 em branco (não havia lugar ao "não") e 21 votos nulos.

Nos corredores do PSD, as palavras mais ácidas eram para o parceiro de coligação, que colocou dúvidas desde o início à escolha do independente, sem qualquer experiência parlamentar e que, durante meses, anos, fizera um discurso contra os partidos.

Um deputado ouvido pelo PÚBLICO admitia que era um "péssimo sinal" para a coligação este desentendimento. Em directo pelas televisões que transmitiam os sucessivos "chumbos" e mostravam as caras cada vez mais preocupadas de Passos, Macedo e Relvas.

"Perseguido" pelas câmaras de televisão e jornalistas, Fernando Nobre não dizia palavra. A reunião da Assembleia foi então suspensa e Guilherme Silva, presidente em exercício, reuniu uma conferência de líderes informal para saber se o PSD estaria em condições de apresentar, ainda ontem, um novo nome. Em vão. Tudo foi adiado para hoje à tarde.

Fernando Nobre saiu então, sozinho, da sala do PSD e foi aos Passos Perdidos fazer uma declaração sumária. "Entendo não reunir as condições para me submeter a uma terceira votação". E foi-se. Pouco depois, Passos Coelho fez-lhe o elogio e confessou a sua pena por os deputados não terem "aproveitado esta oportunidade" para ter "um verdadeiro independente" a presidir à AR.

Embaraço no CDS

No CDS a não-eleição de Nobre causou um misto de surpresa e de embaraço. Por um lado, o PSD tinha dado a entender que não precisaria dos votos do CDS por já terem a eleição assegurada. E esses foram os ecos ouvidos no CDS do discurso de "confiança" de Passos Coelho no grupo parlamentar. Por outro, os democratas-cristãos não conseguiram disfarçar o crescente embaraço com a sucessão dos dois falhanços na eleição. Mas o CDS não recuou no voto em branco. Disso mesmo deu conta Paulo Portas em declarações aos jornalistas durante a tarde. "O PSD tinha um compromisso com Fernando Nobre, eu tenho um compromisso com o meu eleitorado", disse. com Sofia Rodrigues

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