Governo tenta afastar contágio garantindo que não precisa de ajuda

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Sócrates diz que "Portugal não precisa de ajuda de ninguém" DANIEL ROCHA

Responsáveis políticos europeus e nacionais contrariam tese dos analistas de mercado que prevêem agora o aumento da pressão sobre Portugal

A crise política irlandesa está em risco de agravar o nervosismo dos mercados financeiros e deitar por terra as esperanças de Portugal conseguir evitar ser o próximo país a ter de pedir ajuda à zona euro e ao FMI.

Antes de Dublin anunciar ao princípio da noite a dissolução do parlamento em Janeiro, vários membros do governo esforçaram-se ao longo do dia por dissociar a situação das duas economias, esperando convencer os mercados financeiros disso mesmo, de modo a travar o efeito de contágio que muitos analistas consideram imparável.

"Portugal não precisa de ajuda de ninguém e vai resolver os seus problemas recorrendo às suas próprias decisões", garantiu o primeiro-ministro, José Sócrates. Aliás, frisou, a ajuda até 90 mil milhões de euros cujos detalhes deverão ser negociados com a Irlanda até ao fim do mês deverá provocar "uma acalmia nos mercados, parando com a especulação que não tem nenhum sentido". "Espero que a Irlanda, ao recorrer ao fundo da União Europeia, faça com que se normalize a situação nos mercados, porque Portugal estava a sofrer um nítido efeito de contágio", afirmou.

Na véspera, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, já tinha expressado a convicção de que o plano de ajuda a Dublin "alivia receios, reduz a incerteza e reforça a confiança dos mercados".

A convicção dos dois governantes contraria a expectativa de muitos analistas financeiros que acreditam, pelo contrário, que as atenções dos investidores estão agora concentrados no novo elo mais fraco da eurolândia.

João Cravinho, ex-ministro socialista e director no Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) encarregado de Portugal, alertara já na sexta-feira, antes de pedido de ajuda de Dublin ser conhecido, que, "nos mercados, a ideia é que, uma vez resolvido o caso da Irlanda, Portugal fica na primeira linha".

Mas o mote martelado pelos responsáveis nacionais e europeus é que "não há nenhuma relação entre Portugal e a Irlanda", segundo a expressão usada por Sócrates.

Olli Rehn, comissário europeu responsável pela Economia e Finanças, frisou que a "natureza dos problemas" da Irlanda é "muito diferente" da situação portuguesa. "Na Irlanda, há um problema de debilidades fundamentais no sector bancário, que têm de ser solucionadas de maneira decisiva. Ao contrário, as dificuldades de Portugal estão relacionadas mais com o crescimento potencial e com a dívida privada", sublinhou.

"É preciso que os mercados se convençam" de que a situação portuguesa é "diferente da situação irlandesa", disse igualmente Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, em Bruxelas.

"O que vemos na Irlanda e em Portugal não tem uma relação directa porque em Portugal o sector bancário continua em relativa boa saúde", afirmou, por seu lado, Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do eurogrupo dos ministros das Finanças da zona euro. Juncker considerou igualmente que não há justificação para a existência de movimentos especulativos contra Portugal, ou Espanha, embora reconhecendo que "não podem ser excluídos" numa altura em que "os mercados financeiros têm uma tendência excessiva para punir os países que não seguem 100 por cento a consolidação ortodoxa".

Portugal não sofreu uma bolha imobiliária nem uma crise financeira da gravidade da irlandesa, mas os mercados estão particularmente atentos à execução orçamental, conscientes de que essa é uma das grandes fragilidades nacionais, sobretudo num contexto de fraco crescimento, que poderá ser nulo ou mesmo negativo em 2011. As dúvidas abundam sobre a capacidade do país cumprir a meta de um défice de 7,3 por cento do PIB para o défice deste ano, que está de todos os modos dependente da absorção pelo Estado do fundo de pensões da Portugal Telecom.

O Governo espera, no entanto, conseguir ganhar tempo, convicto de que uma redução do défice poderá acalmar as desconfianças dos investidores antes de ter de voltar ao mercado da dívida, em Abril.

O PSD, pela voz do seu líder parlamentar, Miguel Macedo, deu ontem sinais de seguir a mesma linha: "Temos de executar com rigor o OE que vamos aprovar esta semana e fazê-lo bem, porque essa é a única forma de reganhar a credibilidade dos mercados."

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