O ano não acabou e já é o terceiro pior em número de mortes por violência doméstica

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Este ano já morreram 39 mulheres vítimas de violência doméstica PAULO PIMENTA

Desde 2004, ano em que a União de Mulheres Alternativa e Resposta começou a fazer recolha nos jornais, já foram mortas 247 mulheres. Muitas tinham apresentado queixa

A última foi Emília Valente. O companheiro ainda terá mandado uma mensagem ao filho a dizer que a matara e que se mataria antes de apontar a arma à cabeça. Os bombeiros encontraram-no inconsciente no sofá da sala do apartamento de Santa Maria da Feira. Ao seu lado estava ela - a 39.ª mulher a ser este ano notícia por ser vítima mortal de violência doméstica.

Os dados foram ontem apresentados pelo Observatório de Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). A par da Campanha Internacional "16 Dias de Activismo contra a Violência de Género", que por esta altura se realiza em mais de 140 países.

Antes de se deparar com Emília, de 54 anos, a UMAR recortara a notícia sobre Vera Mendes, de 21, baleada em Setúbal. É através dessa recolha que, desde 2004, vai dando nota do número de vítimas mortais femininas de violência doméstica. E desde então já somou 247. Este ano ainda não chegou ao fim e já só fica atrás de 2004 (40) e de 2008 (46).

Maria José Magalhães, presidente daquela organização não governamental, sabe que podia ser pior: naqueles sete anos, registou 280 homicídios tentados - e alguns até podem ter resultado em homicídios consumados sem que tal informação tenha chegado aos jornais que lhe servem de fonte. Está convencida de que seria melhor "se o sistema judicial fosse mais eficaz".

"Demasiada tolerância"

O país discute até amanhã o IV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica 2011-2013, véspera do Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra as Mulheres. E, desde que tudo começou, muita coisa mudou na sociedade portuguesa, nota a professora da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto. "A sociedade está mais consciente do que nunca. O sistema [de segurança e justiça] tem de acompanhar." Como? "É preciso reforçar a capacidade de avaliar o risco, fortalecer as medidas de polícia, responsabilizar os agressores."

O país tem andado entretido a preparar mecanismos de protecção das vítimas, cuja pertinência não contesta. Parece-lhe que chegou a hora dos agressores. "Há demasiada tolerância. Ainda se fala em paixão. Que paixão? Isto é um crime de ódio. Trinta e tal facadas. A faca parte e ele vai buscar outra para acabar o serviço."

Este ano, a UMAR ainda não fez essas contas, mas, no ano passado, um terço das mulheres assassinadas já apresentara queixa. Maria José Magalhães lembra-se de uma que já o fizera cinco vezes. "Temos de aplicar as medidas já previstas na lei - afastamento, pulseira electrónica, prisão preventiva." A separação por si só está longe de garantir segurança às mulheres: 64 por cento das vítimas contadas até 15 de Novembro foram mortas por homens com quem mantinham uma relação íntima, mas 20 por cento sucumbiram às mãos de quem já se tinham separado ou até divorciado. As outras mulheres apanhadas no seio desta violência são descendentes directos ou outros familiares.

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