"Investimento em PPP precisa de tanto controlo como a dívida pública"

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Economista defende a criação de uma estrutura profissionalizada que olhe para o investimento nas Parcerias Público-Privadas (PPP)

Conhece os contratos de parceria público-privada de ambos os lados da barreira. Esteve na negociação do primeiro contrato PPP em Portugal, na Lusoponte, no lado dos privados. Foi, mais recentemente, controladora financeira no Ministério das Obras Públicas, função em que chamou a atenção para os problemas que traria a prorrogação do contrato com a Liscont. Mariana Abrantes diz que, em Portugal, o Estado subestima a complexidade destes contratos. A factura aparece ao contribuinte.

Como posicionaria Portugal num ranking dos países que recorrem às Parcerias Público-Privadas (PPP)?

Um ranking de 2005 mostrava que Portugal recorria intensivamente a PPP, mais do que todos os outros países da UE em termos de percentagem do PIB. Mais recentemente, em 2009, Portugal contratou três vezes mais PPP do que a França: Portugal contratou projectos de 1600 milhões de euros, e a França menos de 500 milhões de euros. Todos os outros países europeus, muito menos, pois continuam a fazer o grosso do investimento público em empreitadas tradicionais, utilizando PPP excepcionalmente. Em Portugal, o investimento público directo, via PIDDAC, ficou muito reduzido, e as PPP passaram a ser a regra em vez da excepção.

Que avaliação faz da forma como esses contratos têm vindo a ser celebrados?

Toda a gente fez uma grande aprendizagem desde que se lançou o primeiro, a Ponte Vasco da Gama, em 1992. No sector privado e nos bancos, acho que essa aprendizagem está muito consolidada. São sempre as mesmas pessoas a gerir aquela carteira de contratos e de crédito durante 15 anos... geriram muito bem a curva de aprendizagem e consolidaram-na. No sector público é muito mais problemático, porque, parece-me, é subestimada a complexidade do contrato, como se qualquer novo assessor ou advogado pudesse assumir a responsabilidade sem conhecer o historial. Não sou dessa opinião. Para gerir bem não só os contratos durante a fase de concurso como depois na fase de exploração a 30 anos, é preciso conhecê-los muito bem. Tem de haver continuidade.

No caso da Lusoponte, o concurso foi gerido por uma comissão ad hoc e agora está na alçada da Estradas de Portugal...

Estive envolvida no contrato da Lusoponte, do lado do sector privado. O contrato assentava em 114 documentos. Quando eles são passados, de repente, para outra pessoa, ela pode lê-los. Mas não vai conseguir perceber todo o detalhe. Uma das coisas que o sector público português tem de melhorar é isto. Portugal é talvez um dos poucos países que ainda não tem uma agência de PPP que tenha um mandato suficientemente alargado e forte para acompanhar os contratos durante todas as fases da concessão, desde a contratualização até à exploração. A maior parte dos países tem uma estrutura organizativa centralizada; a gestão das PPP é mais consolidada do que em Portugal.

É preciso centralizar a gestão dos contratos, sejam eles da área da saúde, dos transportes, do ambiente, portuária?

Estamos a falar de serviços públicos. Quem tem obrigação de serviço público é o ministério da tutela. Estes ministérios têm de fazer todo um trabalho de apoio para gerir a tal curva de aprendizagem. Porque senão os responsáveis vão andar sempre a aprender fazendo.

No Orçamento de 2010 está inscrita a criação de uma estrutura desse tipo, sem que se saiba ainda como vai ser instalada. Será essa a solução?

O primeiro objectivo é assegurar uma gestão muito criteriosa da carteira de contratos existente, que já é muito grande. Numa lista publicada pelo Observatório das PPP na Católica apareciam cerca de 100 concessões. São muitos contratos, muito diversos, cada um com as suas especificidades. Alguns feitos por organismos muito independentes e que não foram suficientemente articulados. Uma boa parte deles não tem encargos para o contribuinte e, por isso, são menos problemáticos. Mas os que têm encargos para o contribuinte fazem parte da dívida pública indirecta. Nós estamos com problemas de dívida pública. Esses contratos fazem parte do icebergue.

O que deve fazer, em concreto, essa estrutura?

Tal qual como o Instituto de Gestão e Crédito Público está a gerir cuidadosamente a dívida pública titulada, também deveria ser feita uma gestão rigorosa destes encargos com contratos de PPP. Esta agência deveria ter um mandato muito semelhante ao do IGCP na gestão dos contratos que já existem. E depois, em termos de novos contratos, deve obrigar-nos a pausar. Se nos vai obrigar a parar ou não, isso depende. Mas certamente temos de ter a noção de que o período que decorreu entre os anos 90 e 2008 acabou. Vai continuar a haver PPP, o mercado vai voltar, mas diferente. Vai ser o "new normal", uma espécie de normalidade irreconhecível.

Defende que se acabe com as PPP?

Não. Só acho que não são uma panaceia, que não servem para contratar todo o tipo de serviço público em todas as circunstâncias. As previsões de tráfego devem ser o principal critério de selecção de projectos, ainda que não o único, para garantir um bom retorno do investimento. As opções técnicas e contratuais, que são sempre polémicas, têm de ser bem estudadas e discutidas, e adequadas às necessidades. Para tráfegos menores pode haver soluções técnicas mais económicas.

Seria importante que se definissem tectos para este tipo de contratação?

É essencial. Sabemos que a restrição orçamental é imprescindível na boa gestão financeira do Estado ou de qualquer agente económico. E tem de se aplicar às PPP tal qual se aplica às despesas de funcionamento e às despesas de PIDDAC. E seria também uma forma de comunicar ao mercado que Portugal vai ter uma gestão financeira rigorosa. Tradicionalmente, o PIDDAC implicava um plano de investimentos plurianual, aprovado na Assembleia da República, na lei do orçamento, com prioridades, indicadores de eficácia... este tipo de processo parece burocrático, mas oferece mais garantias de que o investimento é mesmo necessário, de que é viável em termos económicos e orçamentais e de que ofecere uma boa relação custo/serviço prestado ("value for money") ao contribuinte.

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