Treze por cento dos adolescentes dizem-se vítimas de abuso físico

Foto
A prevalência nas "queixas" de violência emocional e sexual é similar entre rapazes e raparigas NELSON GARRIDO

Faculdade de Medicina do Porto questionou mais de 7500 adolescentes, entre os 15 e os 19 anos, de escolas públicas do país

Pode ter sido um insulto na escola ou uma bofetada em casa. Tudo depende do que se entende por violência. Mais de 7500 adolescentes, entre os 15 e os 19 anos, de 16 escolas públicas de todo o país foram inquiridos e 16 por cento afirmaram já ter sido vítimas de abuso emocional, 13 por cento de abuso físico e quase dois por cento de abuso sexual. As perguntas foram feitas em 2000, mas só agora o trabalho foi publicado. Elisabete Ramos, uma das investigadoras envolvidas no estudo, admite que, passada uma década, os números poderiam ser diferentes, mas não por causa de um aumento da violência. "Tenho algumas dúvidas sobre se os números mudaram ou se o que mudou foi a visibilidade deste fenómeno da violência", argumenta.

"Alguma vez foste vítima de violência física?" era apenas uma das muitas questões colocadas aos jovens no inquérito anónimo realizado na sala de aula. As respostas dos adolescentes permitiram concluir que o tipo de violência mais referido foi a violência emocional. Possivelmente confirmando as expectativas, os rapazes (sobretudo os mais novos) revelaram estar mais presentes em lutas físicas (13,6 por cento versus 3,6 por cento do lado feminino) e queixaram-se mais do que as raparigas de abusos físicos (19,5 por cento versus 7,5 por cento). A prevalência nas "queixas" de violência emocional e sexual é similar entre rapazes e raparigas. Da leitura dos dados é possível perceber que, à medida que vão ficando mais velhos, os adolescentes envolvem-se menos em lutas físicas, mas reportam mais situações de abuso emocional. "Talvez isto se verifique porque vão tendo uma percepção diferente do que pode ser violência emocional. Quanto mais velho, mais entende que algumas coisas são abuso", explica a investigadora Elisabete Ramos, usando o mesmo argumento para explicar os números mais elevados de relatos de abuso emocional e físico nos adolescentes com famílias mais escolarizadas. Ainda neste campo, o trabalho mostra que, nas raparigas, as probabilidades de serem vítimas de abuso emocional aumentam quando se encontram inseridas em famílias com maior grau de instrução. O estudo confirmou ainda que o consumo de tabaco e cannabis está associado a todos os tipos de violência em ambos os sexos e não detectou diferenças entre as regiões do país nas prevalências dos vários tipos de abuso. Uma das maiores surpresas foi a ausência de diferenças claras entre os dois géneros no abuso emocional. "O que podíamos supor à partida é que teríamos mais nas mulheres."

Decréscimo do bullying

Além da obtenção de dados sobre a violência física, emocional e sexual, o trabalho dos investigadores da Faculdade de Medicina e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto quis verificar outras questões como a relação da violência com a religião e com as características socieconómicas da família, entre outras. "Estas questões da violência são extremamente difíceis de medir. Não é como o colesterol ou a glicose. A informação que recolhemos depende da percepção que as pessoas têm sobre o assunto", explica Elisabete Ramos, do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Porto, que justifica o atraso de dez anos na divulgação dos dados com "problemas no tratamento da informação".

Ainda do lado das eventuais limitações de um trabalho deste género, a investigadora salvaguarda que é preciso ter em atenção o número de questões colocadas e o tempo que demora o inquérito. É que, quando os investigadores abusam da paciência dos inquiridos, há muitas probabilidades de terem mais desistências ou recusas em participar. Assim - e tendo em conta que o objectivo do estudo era analisar os factores sociais e comportamentais da violência dos adolescentes -, o estudo acaba por não explorar com profundidade o tipo de violência que é denunciado. Não é possível saber, por isso, qual a gravidade do abuso. Assim como não conseguimos perceber quantos agressores poderemos ter entre as vítimas e onde aconteceu o alegado acto de violência. "Não tratamos esses aspectos no estudo. As respostas incluem tudo o que é violência, tudo o que eles entenderam como violência", diz Elisabete Ramos.

Porém, consciente da mediatização do fenómeno do bullying, a investigadora nota que os mais recentes estudos internacionais referem um decréscimo deste tipo de violência (ver caixa). "Quando olhamos, vemos", refere para justificar a percepção que pode existir sobre um aumento na ocorrência do fenómeno.

Sobre o facto de não se separar as águas entre a violência que acontece na escola e fora dela, a investigadora não hesita: "A principal determinante é estar a viver um ambiente de violência. Não há um muro que separa uma violência da outra. Toda a violência se relaciona entre si. Geralmente, o que se nota é um arrastar do comportamento de um ambiente para o outro. Ser vítima num ambiente vai condicionar o comportamento no outro ambiente." Elisabete Ramos defende a necessidade de se investigar mais e melhor sobre este fenómeno, mas nota que é preciso que "não se misturem objectivos". "Temos de perceber bem à partida o que queremos estudar", defende. Saber como estão hoje os jovens inquiridos em 2000 é impossível, uma vez que a participação foi anónima. Mas, conclui a investigadora, "seria interessante repetir o estudo, com a mesma metodologia e as mesmas questões".

Sugerir correcção