Doze meses de muita proclamação e menos concretização

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Perante as dificuldades, Passos vê o copo meio cheio, mas muitos portugueses vêem o contrário Nuno Ferreira Santos

O Governo faz um ano, mas o clima não é de festa. A execução orçamental assusta, os compromissos com o PS continuam impossíveis, as mudanças proclamadas na organização sócio-económica tardam em sair do papel

Aiminência de derrapagem do défice, indiciada pela baixa em 3,5% da receita anunciada na sexta-feira, seguida da falência das negociações com o PS para estabelecer uma posição conjunta sobre a crise do euro, no mesmo dia, e a perspectiva de uma moção de censura do PCP discutida amanhã na Assembleia da República mancham a celebração de um ano de governação pela reunião extraordinária do Conselho de Ministros que Pedro Passos Coelho convocou para hoje à tarde, no Palácio da Ajuda.

Uma cerimónia que é ainda ensombrada pelo pano de fundo de níveis recorde de desemprego.

Os maus resultados da execução orçamental vêm estragar o tom entusiasta que o Governo pretendia imprimir à comemoração do primeiro ano de funções, bem como vêm contrariar a atitude de dever cumprindo que o executivo tem indiciado nos balanços da sua gestão.

Uma atitude que, à partida, até pode parecer justificada, olhando apenas para as palavras do Governo e as suas proclamações de que está a cumprir os principais compromissos governativos que a coligação PSD-CDS assumiu no programa do Governo.

Do plano das proclamações e arranque de processos legislativos, apenas a revisão das parcerias público-privadas ficou por lançar, entre os grandes temas previstos no memorando de entendimento, assinado pelo PSD, CDS e PS, em 2011, com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, por forma a viabilizar o empréstimo de 78 mil milhões de euros ao Estado português.

Mas nem tudo se limita a mera proclamação. Há medidas para aumentar a receita - aliás, muito sentidas pela sociedade - que se concretizaram na diminuição de rendimento dos trabalhadores por conta de outrem e dos pensionistas, como a cativação fiscal dos subsídios de Natal e de férias dos funcionários públicos em 2012 - depois de ter sido cobrado fiscalmente metade do subsídio de Natal de 2011 a todos os trabalhadores. No mesmo sentido ocorreu a redução das pensões acima de 1500 euros e das admissões na função pública.

"Não basta legislação"

Mas "não basta produzir legislação" e lançar medidas, como o vice-presidente e coordenador político do PSD no Governo, Jorge Moreira da Silva, assume hoje em entrevista ao PÚBLICO (ver páginas 10 a 13). Moreira da Silva afirma mesmo que, para as intenções do Governo serem uma realidade, "as reformas precisam de chegar ao terreno". E não basta que a acção do Governo seja alvo de "quatro avaliações positivas da troika".

Mas se as avaliações da troika são positivas, negativo é o aumento do desemprego, que, segundo o Eurostat, atingiu em Abril 15,2%, fazendo disparar as despesas com os subsídio de desemprego. Ainda que as condições de acesso a esta prestação tenham sido restringidas, de Janeiro a Maio de 2012 a Segurança Social gastou 1071,3 milhões de euros com os desempregados, ou seja, mais 200 milhões do que no mesmo período do ano passado (ver pág. 9).

Visível para a opinião pública tem sido a política de cortes na despesa pública na Educação e Saúde previstas para este ano no memorando de entendimento. Na Educação estava prevista a poupança de 195 milhões de euros, que seriam obtidos com a criação de agrupamentos escolares, que permitiriam contratar menos pessoas e centralizar as compras. Além desta medida, o memorando prevê também transferências de verbas para escolas privadas com contratos de associação.

Igualmente prevista no memorando, a reestruturação do sector da Justiça é um dos domínios em que as mudanças ainda não saíram do papel, quer a revisão de códigos, quer a aprovação de um novo mapa judiciário que, na última versão apresentada pela ministra Paula Teixeira da Cruz, previa o encerramento de 54 tribunais.

Daí que o responsável pelo Observatório da Justiça, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, afirme ao PÚBLICO que "os indicadores conhecidos não mostram que tenha havido melhorias no desempenho d aJustiça em geral e, em especial, no combate à corrupção" (ver pág. 6).

Notada foi ainda a emblemática revisão do código laboral, também prevista no memorando, e que flexibiliza as relações laborais, facilitando os despedimentos. Mas esta revisão legislativa estrutural feita pelo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, não evita que António Saraiva, presidente da CIP - Confederação da Indústria Portuguesa, não considere em declarações que gostaria de "ter visto uma maior celeridade na acção do Ministério da Economia" (pág. 7).

Muito propagandeada - e também muito contestada - tem sido a reforma das autarquias que estava prevista para este ano no memorando de entendimento e que tem sido conduzida pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas. O objectivo de reduzir em mil as freguesias do país ainda não passou do papel e permanece no Parlamento. Mais atrasadas estão as alterações à Lei Eleitoral Autárquica e à Lei das Finanças Locais.

PSD sozinho

Se no plano da concretização de medidas o percurso do Governo tem sido mais proclamativo do que executivo, no plano do relacionamento político tem-se assistido a um isolamento progressivo do PSD.

Embora o Governo seja de coligação entre o PSD e o CDS, a realidade mostra que o segundo líder da coligação, o presidente do CDS, Paulo Portas, tem ocupado de forma discreta o lugar de ministro dos Negócios Estrangeiros.

Longe das questões europeias, centralizadas pelo primeiro-ministro, e assim longe das imagens que expõem a crise do euro, Paulo Portas tem privilegiado, sobretudo, a tentativa de relançar a diplomacia económica - área em que tem marcado pontos - e a gestão das relações com os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (pág. 6).

Já as relações com o PS têm sido tensas q.b. Por um lado, o principal partido da oposição tem-se mantido dentro do perímetro parlamentar de consenso sobre o memorando de entendimento. Mas têm sido manifestas as divergências entre o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o secretário-geral do PS, António José Seguro, sobre como conseguir chegar a bons resultados na recuperação financeira do país.

Se o primeiro-ministro não tem sequer ouvido o líder do PS sobre política orçamental e entregou mesmo os compromissos orçamentais para os próximos anos a Bruxelas sem os mostrar primeiro a Seguro, este não tem cedido aos apelos do PSD para aceitar assumir um compromisso conjunto sobre o futuro da zona euro e os caminhos para superar a crise europeia.

Essa atitude de Seguro, manifesta sexta-feira na falência das negociações para um entendimento prévio para a cimeira europeia de 28 e 29 de Junho, tem deixado o PSD mais sozinho. Um isolamento que poderá prolongar-se na aprovação do Orçamento do Estado para 2013, já no Outono.

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