Escolas prepararam mal os alunosEm resumo

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Capacidades de abstracção ou de interpretação são pontos fracos joana freitas

A frase de Hélder de Sousa, director do Gave, em análise: ": [Os resultados dos exames nacionais] reflectem o ajustamento do nível de exigência, concretizado numa acrescida complexidade de alguns dos itens e na continuação da procura de um maior rigor na definição e também na aplicação dos critérios de classificação"

Se houve exames mais difíceis este ano, isso aconteceu sobretudo nas áreas da língua materna e matemática, confirmou ao PÚBLICO o director do Gabinete de Avaliação Educacional (Gave), Hélder de Sousa. Não por acaso, a frase acima referida foi a explicação que apresentou quando foram conhecidos os resultados dos exames de Língua Portuguesa e Matemática do 9º ano. Uma explicação que, afirma, se aplica também aos exames do 12º ano destas disciplinas.

No 9º ano registou-se uma quebra de seis e sete pontos, em 100, na média global dos alunos internos a Língua Portuguesa e Matemática, que regressou a uma média negativa. No 12º ano, média negativa a Português, com o pior resultado em 15 anos de exames nacionais. E uma quebra, por comparação a 2010, de 14 e 16 pontos em 200 em Português e Matemática, respectivamente.

A classificação dos exames do secundário é feita nesta escala percentual que depois é convertida, para efeitos de nota, na escala numérica de 0 a 20. A análise do Gave apenas tem em conta a média dos alunos internos.

Em resposta para esta prova dos factos, Hélder de Sousa especifica que é sobre estas duas áreas que mais tem incidido um "ajustamento do nível de exigência" das provas - ou seja, ter em "conta a existência de questões que mobilizam conhecimentos e competências anunciadas como frágeis, que, previsivelmente, implicariam maiores dificuldade para os examinandos", mas que "não devem ser ignoradas num processo de avaliação externa das aprendizagens".

Este ajustamento, garante, traduziu-se apenas em "acertos pontuais num número diminuto de questões" patentes nos enunciados.

Dificuldades conhecidas

As associações de professores coincidem na afirmação de que as provas de exames correspondem ao que é pedido pelos programas das disciplinas. Mas os resultados mostram que, em muitos casos, o trabalho desenvolvido nas escolas ainda está muito longe de conseguir responder aos "acertos pontuais" do Gave.

Já na posse das respostas por item, Hélder de Sousa explica o que não correu bem aos alunos. Na maior parte são dificuldades que se repetem de ano para ano.

Tanto no 9º, como no 12º ano, nas provas de língua materna constatou-se a "existência de grandes dificuldades quando a resolução da questão exige mais do que aquilo que está explícito no texto, ou seja, quando se exige inferência ou avaliação da informação". Em ambos os anos os resultados foram "fracos nos aspectos de estruturação do discurso e da correcção linguística". E em ambos os anos os alunos também derraparam na gramática. No 9º em quatro das seis questões que avaliavam conhecimentos nesta área "os resultados médios são inferiores a metade da cotação máxima". No 12º, nas duas questões em que se pedia a identificação de uma função sintáctica (no caso o sujeito) e a classificação de uma oração, os resultados foram "francamente negativas".

Ao contrário do que costuma suceder, não eram de escolha múltipla. No conjunto valiam 10 pontos. Segundo Hélder de Sousa, estas questões constituíram a única alteração em relação às provas de anos anteriores, uma mudança que tenha sido "atempadamente anunciada".

Por outro lado, confirmou-se que os alunos do 12º, a partir de um poema de Álvaro de Campos, voltaram a confundir "sentimentos" com "sensações". O resultado nesta questão, que valia 15 pontos, ficou "muito aquém do expectável". E os do 9º também voltaram a mostrar que têm maiores dificuldades de compreensão e de interpretação em textos dramáticos ou líricos.

A presidente da Associação de Professores de Português, Edviges Ferreira, tem insistido que os programas da disciplina são excessivamente amplos, obrigando os professores a saltar componentes que são testadas em exame. Mas para a queda de resultados também contribuíram, afirma, os critérios de correcção adoptados (demasiado rigorosos no 9º ano) e o modo como foram aplicados, o que no 12º ano poderá ter levado a ao aumento da discrepância entre correcções.

Menos calculadora...

De regresso aos pontos fracos dos alunos enunciados por Hélder de Sousa depois de ter a análise dos resultados por item. Na prova de Matemática do 9º ano contribuíram "significamente para a descida dos resultados globais" as questões que envolvem aprendizagens e a mobilização de diferentes temáticas como a álgebra/funções e geometria (questão 13); que requerem capacidade de abstracção (14.3); que envolvem a leitura e interpretação de um texto e mobilização de vários conceitos (questão 8); que implicam a interpretação e tradução de um conceito (9.2) e a aplicação de conceitos e de propriedades (14.1 ). Estas questões valiam, no conjunto, 28 pontos em 100.

A Matemática A, do 12º ano, as questões que mais contribuíram para a descida da média são as que "mobilizam aprendizagens relacionadas com o cálculo, nomeadamente de limites e de probabilidades, com o desenvolvimento de raciocínios demonstrativos, com a resolução de problemas da vida real e com a utilização da calculadora gráfica". São exemplos a questão 5 do Grupo I e as questões 2,1 , 3, 5.1 e 5.2 do Grupo II. Em conjunto totalizam 55 pontos em 200.

O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, Miguel Abreu, deixa um conselho. O reforço das horas lectivas dedicadas à disciplina, já em vigor no próximo ano lectivo, "terá tanto maior impacto quanto essas horas sejam usadas para aquilo que, de facto, mais contribui para aprender Matemática: fazer exercícios e resolver problemas sem máquina de calcular".

Sete dos 14 pontos que a média do exame de Português do 12º ano perdeu por comparação a 2011 tiveram origem na troca, no grupo que testa os conhecimentos de gramática, de uma questão de associação, por três questões de resposta curta (sem escolha múltipla), em que os alunos tinham de identificar funções sintácticas, classes de nomes e classificar orações, revela o director do Gave, Hélder de Sousa.

O Gave sustenta que foram introduzidos apenas "acertos pontuais", embora em áreas identificadas como frágeis. As dificuldades detectadas nas respostas são velhas conhecidas. O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática lembra que, durante alguns anos, as dificuldades dos alunos foram escondidas com "exames demasiado simples". Como a máscara caiu, o que se torna agora evidente é que existe um desfasamento entre exames mais dificeis e a formação que continua a ser dada em muitas escolas.

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