Vinte e três projectos inéditos para entrar na cabeça de um designer

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Filipe Alarcão ontem no Mude junto a dois dos seus espelhos Fotos: daniel rocha

Quinze anos depois da última individual, Filipe Alarcão inaugura hoje no Museu do Design e da Moda uma exposição com projectos inéditos. Vamos saber mais sobre o processo criativo de um designer de "grande depuração formal e intrínseca qualidade funcional"

Ontem, as peças ainda estavam embrulhadas e por isso tinham uma pele de plástico, transparente. Estavam à espera de ocupar o seu lugar na exposição Introspectiva. Filipe Alarcão, designer, que o Mude - Museu do Design e da Moda inaugura hoje. São 23 os projectos inéditos que o designer de 48 anos mostra agora em Lisboa, todos concretizados em pouco mais de três meses, num "sprint criativo" que, garante, lhe ensinou muita coisa e o levou a trabalhar tipologias e materiais pela primeira vez.

Introspectiva é a resposta de Alarcão ao convite da directora do Mude para que fizesse uma exposição no museu. Em princípio, deveria ser uma retrospectiva, mas o designer não queria olhar para trás e optou por transformar o desafio que Bárbara Coutinho lhe lançou em Maio num pretexto para trabalhar em coisas novas.

Espelhos, mobiliário urbano, tapetes e mesas de apoio são alguns dos objectos propostos por este designer que começou a consolidar a sua carreira nos anos 90 e cuja obra sempre foi marcada, diz Coutinho no texto que abre a exposição, por uma "grande depuração formal e uma intrínseca qualidade funcional". Alarcão não está preocupado com definições. Interessa-lhe sobretudo desafiar-se em áreas menos exploradas pelo design de produto, como a tapeçaria e os objectos de parede, "peças que precisam de um suporte vertical para fazerem sentido".

"O design de produto é essencialmente tridimensional e por vezes é difícil passar à bidimensionalidade", explica ao P2 junto aos três espelhos da exposição (um que parece estar a cair, um de esquina e outro de canto), peças em que há uma estrutura negra a separar a superfície espelhada da parede que lhe serve de suporte. "No Espelho que Cai, por exemplo, quis criar jogos que sugerissem a tridimensionalidade e, por isso, usei o negro como forma de fazer recortes no plano, como se houvesse um espaço para além da parede."

A série dos espelhos faz parte do primeiro módulo desta exposição dividida em dois. É lá que se encontram os objectos acabados, peças que, na sua maioria, podiam começar a ser produzidas amanhã: os bancos da Larus; os tapetes da Piódão (Slide e Unfold); os Blocos, pequenos móveis de apoio em cortiça ou mármore; e o Banco Solidário, uma estrutura em madeira de tília, muito suave, que parece formada por dois bancos ligados um ao outro e que, embora se possam facilmente imaginar com oito pernas, têm apenas seis.

Os experimentais

É no segundo núcleo desta Introspectiva -fica até 15 de Janeiro - que podemos encontrar as propostas mais experimentais. Numa vitrina está disposta uma série de "projectos mentais", objectos que estão ainda longe da fase do desenho técnico. Apoiada na parede está uma maqueta em balsa, à escala real, de uma Secretária de Parede que o designer está ainda a explorar, e ao lado o esqueleto em fibra de carbono de uma cadeira à qual ainda falta o assento e as costas (Cadeira Ausente). É a articulação entre o primeiro e o segundo módulos que faz com que a exposição cumpra um dos seus principais objectivos: dar a ver o processo de criação em vários estádios de desenvolvimento. "Quis mostrar como é que os objectos tomam forma, desde a ideia até à fase final", diz Alarcão, que está habituado a trabalhar por encomenda e que aqui produziu quase sempre sem requisitos prévios.

"Esta exposição permitiu-me pensar e desenvolver um corpo de projectos sem condicionalismos. Trabalhei com um ritmo, uma intensidade e uma atitude muito diferente da habitual." Normalmente, há uma encomenda e, apesar de gostar dessa dificuldade de ter regras à partida, garante que foi fundamental poder desenvolver vários objectos ao mesmo tempo, com funcionalidades, tecnologias e materiais distintos, coisa rara na vida de um designer. "Aqui, o processo mental teve uma preponderância sobre os requisitos, que ditam grande parte do trabalho quando há uma encomenda. Aqui, é como se os objectos resultassem de vinte encomendas que fiz a mim mesmo e alguns deles partem de ideias que já estavam há muito tempo dentro da minha cabeça."

Produção limitada

Formado em Design de Equipamentos pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, com um mestrado de Design Industrial da Academia Domus, de Milão, e um Prémio Nacional de Design, em 1994, Filipe Alarcão é um dos mais prestigiados designers portugueses. Tendo trabalhado já como director criativo, designer ou consultor de empresas como a Vista Alegre/Atlantis, a Larus, a TemaHome ou a Olivetti, está cada vez mais interessado no design de produto. Para já, a maioria das peças da exposição têm garantida a produção limitada, mas não está afastada a possibilidade de produção de algumas em maior escala.

"Esta exposição não foi feita com o objectivo de criar peças para produzir mais tarde, mas pode acontecer. Eu gosto de objectos, da matéria, e também gosto de trabalhar com as empresas porque as empresas são essencialmente pessoas." Introspectiva serviu sobretudo para pôr em ordem uma série de reflexões sobre o acto de projectar. "Hoje o design está a ficar histriónico e isso não me diz nada. Quero que o objecto tenha uma espessura de conceito que não seja uma fábula - hoje faz-se um objecto e conta-se toda uma hist? ?ria à volta dele que parece não ter nada a ver com o objecto em si. Parece que o valor semântico que se impõe é maior do que o próprio objecto. Não quero que o meu design seja assim - é do objecto que devem partir os argumentos e não o contrário."

Percorrendo a exposição ficamos com a sensação de que, para Filipe Alarcão, o design tem no jogo um valor acrescentado. Esta dimensão lúdica está muito presente, por exemplo, na série Cubos, composições gráficas que nascem da representação em perspectiva de um cubo. Nela podemos ver os Desenhos a Duas Dimensões e Meia, estruturas em inox projectadas de modo a materializar as linhas do desenho, e os Feltros de Parede, objectos em cortiça e feltro de lã que, jogando com a cor, permitem criar uma ilusão de profundidade. "A matriz é sempre a mesma. O que faço é ir apagando umas partes do cubo para, aparentemente, criar outras formas." Mas o cubo está sempre lá, escondido, e nós acabamos por andar à procura dele sem dar por isso.

Introspectiva. Filipe Alarcão, designer

LISBOA, Mude - Museu do Design e da Moda, Colecção Francisco Capelo. De 3.ª a 5.ª e Dom., das 10h às 20h. 6.ª e Sáb., das 10h às 22h. Até 15 de Janeiro

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