Portugal perde 3,6 milhões de dormidas de estrangeiros

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O euro tornou Portugal mais caro para os turistas ingleses MIGUEL MADEIRA

Nos últimos dois anos, vários factores prejudicaram a entrada de turistas. Reino Unido é o mercado que apresenta maiores quebras

Diminuição do poder de compra. Variações cambiais. E até vulcões. Não faltam motivos para explicar a fuga de turistas do território nacional. Entre 2007 e 2009, Portugal registou menos 3,6 milhões de dormidas de estrangeiros. O Reino Unido, principal mercado, é o mais afectado, em número de estadias e volume de receitas. No ano passado, ficaram em Portugal menos 1,6 milhões de britânicos do que em 2008, o que resultou numa diminuição superior a 20 por cento nas despesas destes turistas.

Dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) mostram que, há três anos, se registaram cerca de 26,8 milhões de dormidas de cidadãos estrangeiros em Portugal. Em 2009, este valor caiu para perto de 23,2 milhões.

E, como é óbvio, as receitas acompanharam esta quebra, passando de 7,4 para 6,9 mil milhões de euros, o que significou uma redução de 6,5 por cento, de acordo com estatísticas do Banco de Portugal (BdP).

O turismo foi um dos sectores mais penalizados pela crise financeira e económica internacional, que resultou numa diminuição do poder de compra e, consequentemente, dos gastos com viagens na generalidade dos países, afectando particularmente alguns dos mercados de origem mais importantes para o turismo nacional, como o Reino Unido, a Espanha, Alemanha, Estados Unidos e Irlanda, entre outros.

No caso do Reino Unido, a desvalorização da libra face ao euro também teve um papel determinante, provocando neste mercado as maiores descidas de entre os principais emissores de turistas para Portugal. No final de 2005, o euro correspondia a 0,6877 libras e, no ano passado, chegou a atingir 0,9201. Para um inglês, bastam estes números para que umas férias em Portugal se tornem bastante menos atractivas.

Os relatórios do INE referem que, em 2009, as dormidas de britânicos em território nacional sofreram um corte significativo - passaram de 7,3 para 5,7 milhões, o que significou uma redução de 22 por cento. O Office for National Statistics, organismo do Reino Unido que trata as estatísticas do país, revelou recentemente que, em termos de visitas, a quebra é ainda mais acentuada. Em comparação com 2008, a descida foi de 28,5 por cento, fazendo com que Portugal caísse dois lugares no ranking de destinos preferidos pelos britânicos. Agora, ocupa a nona posição.

"Apesar de a quebra ser mais baixa de acordo com os dados nacionais, não deixa de ser um resultado bastante negativo, se atendermos ao peso que o mercado britânico representa no turismo nacional", afirmou o secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade, ao PÚBLICO. A desvalorização da libra "tornou as férias para destinos euro mais caros", acrescentou.

Soluções contestadas

No entanto, o Reino Unido não foi o único país que enfraqueceu o turismo nacional. Entre 2008 e 2009, também a Alemanha, segundo maior mercado em termos de dormidas, sofreu uma quebra de 8,6 por cento. Ao nível das receitas, a redução foi de 6,8 por cento, passando de 807 para 752 milhões de euros. Um comportamento semelhante ao de outras regiões da Europa, como a Irlanda (-14,8 por cento), a Itália (-13,6) e a Holanda (-9,4).

Houve, porém, outros mercados que resistiram melhor à instabilidade económica, aumentando inclusivamente o número de dormidas e as receitas geradas em Portugal. No ano passado, os espanhóis, por exemplo, tiveram mais 134 mil entradas nos alojamentos nacionais, de acordo com o INE. Ainda assim, este aumento não se repercutiu nas receitas, que caíram 6,8 por cento. No campo das despesas, as excepções europeias são a Suíça, com um aumento de 20,1 por cento, e França (1,2 por cento).

O PÚBLICO questionou a Secretaria de Estado do Turismo sobre o que está a ser feito para recuperar estas perdas. Bernardo Trindade respondeu que, em 2009, houve "um acréscimo de 30 milhões de euros investidos em parcerias com os principais operadores turísticos e companhias aéreas que operam para os diversos destinos nacionais, com o (...) propósito de tentar manter os níveis de procura registados em 2008". O responsável frisou que o Governo "não está sozinho neste processo", acrescentando que "este investimento público tem vindo a ser acompanhado por investimento privado com origem nos mercados emissores".

Um dos programas de parceria é o Iniciative.pt, que cede apoios financeiros às transportadoras aéreas, tradicionais e low cost, utilizando como métrica o número de passageiros tranportados, entre outras variáveis. O facto de não ser feita uma repartição entre os passageiros que entram e os que saem de Portugal tem sido alvo de contestação. A Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), por exemplo, acredita que o Estado pode estar a beneficiar empresas não por trazerem mais turistas, mas por levaram portugueses para férias no estrangeiro.

Recuperação lenta

Apesar de, durante o ano de 2010, a erupção do vulcão islandês e as consequentes dificuldades criadas ao nível do tráfego aéreo em toda a Europa, os dados do passado mês de Maio para a entrada de turistas estrangeiros em Portugal já revelam uma ligeira recuperação face à dimensão das quebras de 2009.

No entanto, os principais mercados continuam no vermelho, com reduções desde os 12,5 (Irlanda) aos 0,8 por cento (Alemanha), face ao mesmo mês do ano passado. O Reino Unido teve uma diminuição de 6,4 por cento. "Ainda estão a recuperar das consequências sofridas com a crise, que se registou a nível mundial", referiu o secretário de Estado do Turismo. E sublinhou: "[Há] sinais extremamente positivos, que nos deixam com um optimismo moderado, mas que não nos deixam descansados."

Em termos de receitas o desempenho está acima do registado no ano passado. Dados do BdP mostram que, em Maio deste ano, os turistas estrangeiros gastaram mais 63 milhões de euros em território nacional, em relação ao período homólogo. A Holanda teve um crescimento de 19 por cento, a Itália de 13,2 e França de 6,8.

Até mesmo o Reino Unido registou um aumento (4,1 por cento), explicado pelo facto de "a economia se encontrar em recuperação, apesar de não ser ao ritmo mais desejado", referiu Bernardo Trindade. A libra está a recuperar o valor, correspondendo, actualmente, a cerca de 1,19 euros. E, por isso, "é expectável que os destinos da zona euro assinalem no curto, médio prazo melhorias com origem no mercado britânico, facto que será extensível a Portugal", sublinhou.

Apesar das melhorias, as perdas sofridas em 2009 não estão ainda totalmente recuperadas. Parte dessa inversão poderá ser feita à custa de mercados alternativos, como o brasileiro e o angolano (ver texto ao lado), mas, de qualquer forma, os emissores tradicionais de turistas, como o Reino Unido, a Alemanha ou a Espanha, vão ter sempre um maior protagonismo no sector turístico, nem que seja pela proximidade geográfica. O secretário de Estado do Turismo acredita que é preciso "não baixar os braços" e investir em "parcerias público-privadas, no reforço das acessibilidades por via aérea, na intervenção nos mercados emissores e na rede de coordenadores de turismo" no exterior para regressar aos níveis de procura do passado.

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