Desgraças de sempre

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A sra. presidente do conselho de administração do Teatro Nacional D. Maria II, Maria João Brilhante, depois de alguma grosseria à portuguesa, com que, como de costume, se abrem estas coisas, passa ao exercício, sempre doce, de me injuriar. Não conheço Maria João Brilhante, nem costumo responder a cartas de leitores. Penso que os leitores têm direito a dizer o que entendem e como entendem. O que me leva agora a comentar este caso é a má-fé de Maria João Brilhante, e em geral da gente do teatro, que ficou muito indignada com o Governo e com quem aprovou a redução dos subsídios e a demissão de Diogo Infante, como se os subsídios fossem intocáveis e o teatro merecesse um respeito especial, que não merecem, por exemplo, a saúde, o funcionalismo público ou as pensões.

Maria João Brilhante, visto que, segundo ela, "o meu estilo de opinião" tende para a generalidade e "se funda pouco nos factos", resolveu fornecer à minha ignorância alguns factos sobre o D. Maria, onde ela sabe (por que meios?) que não vou há quase quatro anos. Para começar, informa ela, as duas salas do D. Maria conseguiram ultimamente 70 por cento de ocupação, ainda por cima sem défice. Um verdadeiro milagre, como se vê. Mas mesmo a sra. presidente, com todo o seu zelo, não se atreveu a esconder que o grosso do financiamento é do Estado. Por outras palavras, o Estado paga uma quantia (suponho que pesada) por cada espectador, pela simples razão de que, tirando antigamente a "revista" e hoje La Féria, não existe, e nunca existiu, um público de teatro em Portugal.

Passos Manuel, Garrett e também Herculano fundaram o D. Maria (o edifício é do "cabralismo") precisamente para criar esse público e uma dramaturgia nacional. Não é segredo - e eles próprios se queixaram - que a experiência foi um duplo fracasso. A burguesia, ao contrário da burguesia francesa e até da espanhola, preferia o circo e o teatro popular; e a dramaturgia era imunda e desapareceu. Só Frei Luís de Sousa acabou por ser adoptado como um "clássico". O que não chegava para uma companhia nacional. Durante o século XIX inteiro e a seguir, no século XX, o D. Maria atormentou os governos, que oscilavam entre o desprezo universal por aquela vergonha viva e a impossibilidade política de a extinguir. Basta ler os jornais do tempo para verificar. Claro que Maria João Brilhante finalmente mudará a história, se o Estado lhe der dinheiro.

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