A mediatização da arquitectura portuguesa vista através do jornal PÚBLICO

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A Casa da Música, de PAULO RICCA

Pedro Gadanho é o autor de Arquitectura em Público, o primeiro estudo sobre o tratamento da arquitectura na imprensa portuguesa e o papel desta na afirmação da disciplina. Gadanho focou-se no PÚBLICO. Pretexto para debate sobre a responsabilidade dos críticos e dos media

A primeira década e meia de existência do PÚBLICO (1990-2005) coincidiu com o período de afirmação, em Portugal, da arquitectura como uma disciplina mediática. Coincidiu ambém com a projecção internacional dos principais arquitectos portugueses. No rescaldo do incêndio do Chiado de 1988, houve o Prémio Pritzker para Álvaro Siza (1992), o Prémio Pessoa para Eduardo Souto Moura (1998), a Expo"98, o Porto 2001, o projecto de Frank Gehry para o Parque Mayer (2003), o Euro 2004, a Casa da Música de Rem Koolhaas (2005)... São os momentos fortes que pontuam o estudo que o arquitecto, professor, curador e crítico Pedro Gadanho realizou sobre os 15 anos de expansão mediática nas páginas de um jornal português, que começou por ser uma tese de doutoramento e agora passou a livro, sob o título Arquitectura em Público (ed. Dafne).

Depois do primeiro lançamento no Porto, na terça-feira, hoje é apresentado em Lisboa, na Fábrica do Braço de Prata, às 18h00, numa sessão em que intervirão, além do autor e do editor - André Tavares -, Nunos Portas e Pedro Barreto (respectivamente autores do prefácio e do posfácio) e a jornalista do PÚBLICO Isabel Salema.

No prefácio, Portas realça o facto de este "estudo singular", o primeiro de sempre sobre a arquitectura na imprensa portuguesa, de Pedro Gadanho coincidir com "a generalização mediática do surto dos "arqui-tectos" já globalizados ou globalizáveis, através de processos de informação privilegiada em cadeias de preferência internacionais".

Na sua introdução, Gadanho considera que "a aparição meteórica da arquitectura no contexto mediático generalista português foi, ela própria, um mostruário bem abrangente da volatilidade e do funcionamento dos nossos media de massas". E acrescenta que o PÚBLICO foi "uma arena privilegiada para construir uma visibilidade expandida" para a arquitectura. Em primeiro lugar, pela atenção noticiosa que o jornal deu a esta disciplina, logo desde o primeiro número, até à inauguração da Casa da Música - os momentos que balizam o trabalho de Gadanho. Mas também pelo naipe de críticos que, durante esse tempo, acompanharam nas suas páginas a prática arquitectónica, ajudando a criar nos leitores e na sociedade "um desejo da arquitectura", mas também defendendo estéticas e autores, que - esta é igualmente uma tese de Pedro Gadanho - acabaram por determinar uma uniformização do gosto e legitimar uma certa dinastia de arquitectos, que deixou muitos outros de fora.

Num quadro em que Gadanho contabiliza as vezes que os arquitectos são citados nas páginas do jornal, vê-se que Álvaro Siza saltou de 135 referências em 1991 para 397 em 1998 (ano da Expo); Souto Moura, de 26, também em 1991, para 599 em 2004 (ano do Euro e do Estádio de Braga).Frank Gehry e Rem Koolhaas, que praticamente não "existiam" em Portugal no início dos anos 1990, saltaram, respectivamente, para 452 (em 2003, ano do Parque Mayer) e 238 citações (em 2005, inauguração da Casa da Música)...

O efeito Álvaro Siza

Jorge Figueira, um dos críticos de arquitectura com colaboração regular no PÚBLICO, esteve no lançamento no Porto, no Cinema Passos Manuel, um cinema-estúdio da década de 1970 cujo projecto de adaptação às funcionalidades de bar e sala de concertos foi assinado por Pedro Gadanho em 2004.

Figueira foi o primeiro a intervir e, durante a sessão, esgrimiu uma animada disputa de opiniões com o arquitecto Pedro Tavares Costa, autor do blogue Quando as catedrais eram brancas, e também com o autor do livro. Na mesa estavam ainda o editor André Tavares, como moderador, e o arquitecto e historiador Paulo Varela Gomes.

Jorge Figueira começou por afirmar-se "relativista e inclusivista", notando que lhe interessava "somar gerações" e criar "um espaço de convergência", que torne a arquitectura portuguesa mais inteligível. Sobre a criação desse corpo dominante constituído pelas figuras mais mediatizadas, Figueira referiria o desequilibrio introduzido por "dois pesos pesados": Álvaro Siza e Souto Moura. "Nós resgatámos essas figuras para a cultura portuguesa", justificou.

Esta era uma resposta à provocação que antes lhe tinha sido lançada por Pedro Costa. Depois de ter já publicado no seu blogue Quando as catedrais eram brancas uma recensão elogiosa do livro de Gadanho, Costa acusava o corpo de críticos e o trabalho jornalístico do PÚBLICO de criar "uma legitimação" de alguns nomes pela sua repetida exposição mediática, e de criar a ideia de que "a arquitectura portuguesa é só uma", com implicações de ordem política e económica. "Agora todos os presidentes de câmara querem ter um Siza ou um Souto Moura na sua terra, porque é deles que se fala nos jornais."

A Paulo Varela Gomes - de quem André Tavares lembrou o trabalho de divulgação e crítica de arquitectura desenvolvido no semanário Expresso na década de 1980, em parceria com Manuel Graça Dias e João Vieira Caldas - coube chamar a atenção para a necessidade de distanciamento para uma correcta leitura do período histórico em causa. O historiador sustentou que a dependência da arquitectura face à mediatização social não é uma situação do presente. "Desde a Antiguidade que os arquitectos dependem do que se fala sobre eles, e durante os séculos eles sempre foram heróis, ou, na maior parte das vezes, vilões", estando algures "entre o feiticeiro e o artista". Varela Gomes acrescentou que as catedrais eram arquitectura de massas e as comédias populares eram comunicação de massas. E notou que a mediatização actual da arquitectura nos jornais, na televisão, nos blogues, não faz mais do que já se fazia na praça pública medieval. "A comunicação, agora, é mais rápida, mas a função é a mesma - tudo se discute, e isto é a democracia".

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