Rainha Isabel II proclama "programa radical para um governo radical"

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O novo executivo escreveu e a rainha leu o programa legislativo LUKE MACGREGOR/REUTERS

Reformar a política e dar mais poderes aos cidadãos são algumas das prioridades da nova coligação. Cameron justifica austeridade com "a terrível confusão" deixada pelo Labour

Revolucionar os serviços públicos, reformar o sistema político e dar mais poderes aos cidadãos - são as traves mestras da ambiciosa agenda legislativa do Governo britânico, apresentada ontem pela rainha ao Parlamento. Mas nenhuma das tarefas será mais urgente do que a redução do défice, uma prioridade que ameaça pôr um fim rápido à lua-de-mel entre eleitores e o executivo liberal-conservador.

"O programa legislativo do meu Governo vai basear-se nos princípios da liberdade, da justiça social e da responsabilidade", disse Isabel II, enunciando aquele que se tornou o mote da coligação, a primeira a que deu posse em 58 anos de reinado.

O antigo ritual do Discurso da Rainha - a abertura oficial do ano parlamentar, com formalidades que remontam há mais de 400 anos - não podia contrastar mais com "o programa radical para um governo radical" proposto por David Cameron.

Nas cinco páginas do discurso (escrito pelo executivo e apenas lido pela monarca), foram inscritos 23 diplomas que a coligação quer aprovar no próximo ano e meio, muitos deles destinados a revolucionar os serviços públicos e a envolver os cidadãos na sua gestão. A expansão do número de escolas independentes, a eleição dos comissários de polícia ou a penalização de quem não aceite ofertas de emprego são alguns dos projectos do Governo para materializar a "grande sociedade" prevista no programa eleitoral conservador.

Mas para a oposição e os sindicatos o que está a ser preparado é a privatização dos serviços e o fim de benefícios sociais criados durante os 13 anos de poder trabalhista. "A ideia era boa, mas acabou-se o dinheiro", respondeu Cameron, no debate da tarde, quando foi questionado sobre o fim do cheque-bebé, uma das primeiras prestações sociais a ser sacrificada em nome do combate ao défice.

O equilíbrio das contas públicas é, como reafirmou ontem a rainha, "a primeira prioridade" do executivo e já obrigou a coligação a abandonar compromissos eleitorais. O Labour "deixou o país numa terrível confusão", justificou o primeiro-ministro.

O orçamento de emergência que o ministro das Finanças, George Osborne, vai apresentar em Junho não escapará à subida de impostos decididos noutros países europeus e aos cortes na despesa anunciados anteontem vão seguir-se outras medidas de austeridade. Uma das mais polémicas será o aumento da idade da reforma para os 66 anos - uma iniciativa que estava prevista apenas para 2026, mas que o Governo planeia antecipar.

Planos que vão reacender a contestação social - os sindicatos já repudiaram os planos "depressivos" do Governo - e criar dificuldades a uma coligação que, segundo uma sondagem divulgada ontem pelo Guardian, merece, para já, a aprovação de 59 por cento dos eleitores.

E os anunciados protestos não serão o único desafio da coligação. Os dois partidos estão unidos nas propostas para promover a liberdade dos cidadãos - os bilhetes de identidade serão abolidos e a vigilância electrónica restringida -, mas divergem em vários pontos da reforma política, imposta pelos Liberais Democratas.

Apesar de terem aceitado um referendo ao sistema eleitoral, os tories querem manter o actual método de eleição dos deputados. E ontem, na Câmara dos Comuns, ouviram-se de novo críticas na bancada da maioria aos planos para impor legislaturas fixas de cinco anos - o que retira ao primeiro-ministro o poder de convocar eleições antecipadas e obriga o Parlamento a reunir 55 por cento dos votos para derrubar o Governo.

"Com o Partido Trabalhista distraído com a eleição para a sua própria liderança" e uma maioria confortável no Parlamento, "a capacidade do Governo para aprovar as novas leis vai depender, por isso, de quão bem conservadores e lib-dem vão gerir os seus próprios dissidentes", escreveu Mike Sergeant na BBC on-line.

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