Sequestros assombram portugueses que vivem na Venezuela

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É grande o sentimento de insegurança entre os luso-descendentes JORGE SILVA/REUTERS

O sequestro vulgarizou-se na Venezuela, país de acolhimento de milhares de portugueses e lusodescendentes. O Governo diz que o fenómeno está a diminuir

Correia Sacarias e o pai terminavam um dia de trabalho. Dois desconhecidos entraram na loja. Vinham armados. Forçaram-nos a entregar o dinheiro de caixa. Quereriam sequestrar o comerciante de ascendência portuguesa, mas ele trocou-lhes as voltas. Pegou na sua arma e disparou. Feriu um dos suspeitos.

O episódio remonta ao final de tarde de 8 de Junho. Aconteceu em Los Naranjos de Guarenas, estado de Miranda. E foi noticiado pelo jornal venezuelano La Voz, puxando a origem do comerciante para título, citando fontes do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminais (CICPC).

A Venezuela integra o top 10 dos sequestros. Nenhum outro crime cresceu tanto nos últimos dez anos. E isso alimenta o sentimento de insegurança na população, comunidade portuguesa incluída, observa Aleixo Vieira, director do jornal português Correio de Venezuela.

Um dos últimos casos mediáticos envolveu o empresário português Manuel Isidro da Silva, sequestrado em El Valle, na Zona Sul de Caracas. A polícia resgatou-o após 25 dias de cativeiro, em Campo Claro, no estado de Miranda. Fora acorrentado ao tronco de uma árvore, na parte alta de uma montanha.

Impossível saber até que ponto o problema atinge a comunidade. As autoridades não divulgam dados por nacionalidade. Alguns números gerais vão sendo debitados por entidades diversas. "Uns falam em milhares, outros em centenas", lembra Jerónimo Fernandes, oficial da ligação da Polícia Judiciária em Caracas. "Podem estar todos a dizer a verdade. Há uma dificuldade grande em conseguir que os sequestrados vão à polícia."

De acordo com o Inquérito Nacional de Vitimização e Percepção de Segurança Cidadã, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística em meados de 2010, 16.917 pessoas foram sequestradas na Venezuela em 2009. Nada mais, nada menos do que 46 por dia. Os casos que chegam às autoridades andarão muito abaixo.

Há uns meses, o ministro das Relações Internas e da Justiça, Tareck El Aissami, referiu 537 denúncias em 2008 e 795 em 2009. Já em Abril, em defesa de uma lei de desarmamento da sociedade venezuelana, José Manuel Hernández, do partido opositor Primeiro Justiça, mencionou 895 em 2010.

Na ânsia de recuperar a vítima sã e salva, os familiares guardam silêncio. "Têm medo de represálias. E tratam o sequestro como se fosse um negócio", nota o inspector Jerónimo Fernandes, ali colocado há mais de três anos por causa do tráfico de cocaína, mas disponível para auxiliar as famílias dos sequestrados. "Há uma insistência que eu faço: "Comuniquem de imediato com as autoridades venezuelanas". Custa, mas tem resultado."

No final de Maio, o vice-presidente da Venezuela, Elías Jaua, assegurou que o número de sequestros no país diminuiu, na sequência do "grande esforço" do Governo de Hugo Chávez para combater a insegurança. Entre Janeiro e Maio, registaram-se 174 sequestros, menos 57,42 por cento do que nos primeiros seis meses do ano passado, período em que se contabilizaram 284 casos. "Não vamos desanimar até levar os índices de criminalidade aos padrões internacionais", prometeu.

Aleixo Vieira está confiante: "As autoridades estão a actuar muito bem. Nos últimos meses, acabaram com três bandos de sequestradores em Caracas." E o sequestro é apenas um dos tipos de crime que atormentam quem vive na Venezuela. O Governo criou uma nova força, a Guarda Nacional Bolivariana, e está a fazer uma limpeza na Polícia Metropolitana.

Da fronteira para a capital

Há muito quem relacione o aumento dos sequestros ao recuo da violência na Colômbia. Grupos armados cruzaram a fronteira e começaram a operar em Apure, Táchira, Zulia. Têm logística para aguentar uma vítima meses. Quem não se lembra de David Barreto Alcedo, o empresário sequestrado em Agosto de 2007 com um filho e dois sobrinhos pequenos?

O fenómeno já não está confinado aos estados fronteiriços - a maior parte acontece na capital, Caracas, e na industrializada cidade de Valência. E já não afecta apenas endinheirados produtores de gado, industriais, comerciantes das mais diversas nacionalidades. Transformou-se numa forma simples e rápida de arranjar dinheiro. Não vai há muito, foi notícia a história de uma empregada doméstica a quem levaram a filha. Quando lhe exigiram resgate, perceberam que tudo o que ela tinha era um frigorífico: ordenaram-lhe que o vendesse e que lhes desse o dinheiro em troca da criança.

No negócio entraram grupos que antes apostavam no assalto a carrinhas de valores, bancos, ourivesarias. Seleccionam bem os alvos e têm logística para os manter em cativeiro muito tempo. Alguns grupos antes dedicados ao furto de veículos viraram-se para o "sequestro expresso" - assim chamado por durar menos de 48 horas.

O sequestro expresso é uma das maiores dores de cabeças de jovens e familiares. Primeiro, "Los Invisibles" assombravam a capital. Depois, "Latín Lover"tornou-se o grupo mais forte. Procuravam oportunidades à noite, sobretudo ao fim-de-semana. Seleccionavam condutores de Mazda, Mustang GT, BMW. Interceptavam-nos ao chegar a casa, antes de abrirem o portão. Ou ao deixar um namorado ou amigo em casa.

Nos anos mais recentes, através de grupos que operam a partir de cadeias, expandiu-se também o sequestro virtual: não há sequestro, há um jogo psicológico que pode durar duas ou três horas. Os contactos arranjam-se na Internet (nas redes sociais ou em sites de venda de automóveis, por exemplo).

Numa atitude preventiva, Jerónimo Fernandes tem feito muitas palestras em associações de portugueses. Explica-lhes que a casa e o escritório são os pontos mais vulneráveis. Pede-lhes que não saiam sempre à mesma hora e que não façam sempre o mesmo caminho. Recomenda-lhes que não ostentem riqueza, que evitem lugares isolados e que tenham cuidado com o que dizem. "As pessoas gostam de falar do que são, do que têm, do que vão fazer, às vezes, em lugares que não são os melhores ou com pessoas que não são as melhores."

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