Tanques nas favelas e clima de guerra no Rio de Janeiro

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Para além dos tanques da Marinha, usados no Iraque, foram enviados 150 agentes das Bope e 30 fuzileiros SERGIO MORAES/REUTERS

Polícia e membros do narcotráfico trocam tiros na Vila Cruzeiro. Prefeito pede coragem e garante que não há tréguas para terroristas

Seis blindados da Marinha brasileira, munidos de metralhadoras capazes de abater helicópteros e aviões, entraram ontem pela Vila Cruzeiro, uma das favelas da zona norte do Rio de Janeiro que desde o fim-de-semana é palco de uma autêntica guerra civil entre a Polícia Militar e grupos armados de traficantes de droga.

É uma amostra da resposta vigorosa das autoridades à onda de violência que assola a região metropolitana do Rio de Janeiro há mais de cinco dias, e que já fez 34 mortos, dezenas de feridos e avultados prejuízos materiais. "Não vamos pedir tréguas a terroristas, marginais, delinquentes. Vamos dizer-lhes que se querem enfrentar o Estado que venham. Nós vamos reagir com tudo", garantiu o prefeito da cidade, Eduardo Paes.

Desde domingo, uma impressionante sucessão de ataques indiscriminados e incêndios de automóveis e autocarros está a causar o caos e o pânico na cidade. Membros de gangs de traficantes destruíram já mais de 55 viaturas. O Governo diz tratar-se de uma reacção desesperada à entrada de polícias nos morros dominados pelo tráfico de droga.

Os "bandidos", segundo a designação usada pelas autoridades e a imprensa brasileira, barricaram-se na Vila Cruzeiro, para onde o Governo destacou um impressionante dispositivo de segurança. Além dos tanques da Marinha - que participaram na guerra do Iraque e estão a ser usados pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro - e outros veículos blindados, foram enviados para aquela favela 150 agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope), 30 fuzileiros navais e homens da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core).

Luciano Martiniano da Silva, o chefe do tráfico conhecido como "Pezão", conseguiu escapar e estará escondido na mata no alto do morro, escrevia ontem o jornal O Globo, que dizia haver informação de que outro dos traficantes, Fabiano Atanázio da Silva, ou FB, teria sido ferido a tiro.

Ontem, mais sete moradores da Vila Cruzeiro foram internados no Hospital Getúlio Vargas, apanhados no fogo cruzado entre polícias e marginais. Entre eles estava uma menina de dez anos atingida por estilhaços de granada e um indivíduo de 36 anos, com uma bala alojada na cabeça. Até agora, aquele hospital recebeu 21 residentes daquela favela com ferimentos, quatro dos quais acabaram por falecer.

O coronel Álvaro Garcia, comandante do Estado-Maior da Polícia Militar, informou que os meios vão permanecer no terreno "por tempo indeterminado", até darem por vencida a resistência dos grupos do narcotráfico. O objectivo é repor a normalidade e instalar mais uma das unidades de polícia pacificadora (UPP) que o Governo tem vindo a semear nas favelas para garantir a segurança e apoiar a comunidade.

A intervenção policial estende-se a outras favelas ainda sob o controlo dos grupos do narcotráfico. A Polícia Militar fez investidas nos morros da Chatuba, Fé, Sereno e Caixa d"Água, no Complexo da Penha, onde foram detidas 25 pessoas e apreendidas 29 pistolas e revólveres, 12 espingardas, uma metralhadora, cinco granadas e duas bombas artesanais, além de uma tonelada de marijuana. Quatro pessoas morreram nas operações.

As autoridades dizem entretanto ter informação sobre uma "grande acção" concertada entre gangs rivais de narcotraficantes, que estaria a ser planeada para o fim-de-semana. As conversas interceptadas pela polícia apontavam para ataques à sede do governo estadual e prefeitura e o rebentamento de explosivos em centros comerciais ou estações rodoviárias.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, pediu à população para colaborar com a polícia e não se "acovardar" ou "render" diante da violência dos traficantes. "O Rio não vai sucumbir a essa ridícula minoria" que recorre ao "terrorismo" para fomentar um clima de medo e encurralar as autoridades, frisou.

Como outros dirigentes, Paes estimou que este pode ser um momento de viragem histórico. "Vamos ganhar essa briga agora. Desta vez a gente não pode recuar. Os problemas que vão acontecer nos farão sofrer, mas farão bem para esta cidade e este estado", observou. A presente vaga de violência voltou a levantar dúvidas sobre a capacidade do Rio para acolher o Mundial de futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

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