Menos de 600 euros é o salário de 40% dos jovens até os 34 anos

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Rui Gaudencio

Em dias, a ideia lançada pelo ministro Pedro Mota Soares de debater, em 2012, a criação de limites às contribuições dos mais jovens para a Segurança Social, ao arrepio do programa do Governo, sofreu um duro revés. Os baixos salários dos jovens comprometem a proposta, pelo menos a curto prazo

Cerca de 40% dos jovens entre os 15 e os 34 anos que especificaram o seu salário ao Instituto Nacional de Estatística receberam em 2011 um salário inferior a 600 euros.

Os dados do INE são claros sobre o baixo nível salarial da juventude: dos 248,5 mil jovens até 24 anos, mais de 66% receberam menos de 600 euros mensais. E 27% entre 600 e 900 euros mensais.

Mesmo se a "juventude" for até aos 34 anos, o cenário é igual ou semelhante. Do milhão com idades entre 24 e 35 anos que responderam sobre rendimentos, cerca de 40% têm salários até 600 euros. Cerca de 35% entre 600 e 900 euros. Cerca de 15% receberam entre 900 e 1200 euros. E depois vêm as franjas: 54 mil com salários entre 1200 e 1500 euros e 43 mil acima dos 1500 euros.

Estes valores tornam evidente que poucos jovens beneficiariam do "direito de opção" que o Governo lhes pretende dar sobre para onde descontar para a protecção social. E pode dar pistas sobre por que razão a ideia do ministro da Solidariedade, Pedro Mota Soares, de debater o "plafonamento" já em 2012 recebeu um coro de protestos de diversos quadrantes do PSD e do próprio Bagão Felix, economista e ex-ministro do Governo PSD/CDS. Algo que obrigou o Governo a recuar e a adiar a questão para "uma ou mais legislaturas".

É que, a ser aplicado aos mais jovens, das duas uma: ou o novo sistema não teria qualquer relevância e arriscava-se a ser só a concretização de uma velha bandeira do CDS, com a desvantagem de abrir uma nova frente de agitação social; ou prenunciava uma intenção de ir mais longe na reforma, e então teria custos elevadíssimos para a Segurança Social, algo estranho sobretudo quando é tabu mexer nas contas públicas.

O programa do Governo, entre outros aspectos, prevê - "no médio e longo prazo" - "iniciar um processo de revisão do sistema público de Segurança Social de forma a introduzir-lhe sustentabilidade financeira intergeracional e a capacidade voluntária de escolha das gerações mais novas da organização da sua carreira contributiva". Ou seja, introduzir um sistema misto de descontos para a Segurança Social, entre um sistema público e esquemas privados de capitalização. Só que os obstáculos são reais para um Estado empobrecido.

A questão do "plafonamento"

Desde sempre, o verdadeiro problema da criação de um esquema misto foi, precisamente, conciliar o novo esquema com a sustentabilidade financeira do sistema público e a solidariedade entre gerações.

Não têm sido muitas as alternativas em debate: duas são caras para o erário público, a terceira afunda o sistema público e a quarta é uma meia alternativa. Primeiro, ou se fixa um limite salarial (entre 6 ou 12 salários mínimos nacionais consoante a proposta) a partir do qual os salários ficam isentos de descontos para a Segurança Social, libertando esses fundos para a capitalização (""plafonamento" horizontal"); ou se fixa uma percentagem obrigatória sobre todos os salários, que se abate às taxas de descontos para a protecção pública (""plafonamento" vertical").

Para que esse esquema seja uma alteração estrutural, as duas opções terão o mesmo efeito: no curto prazo, reduzem as receitas das contribuições para a Segurança Social, enquanto as vantagens - pagamento de pensões menores - apenas se sentirão a longo prazo, quando os trabalhadores se reformarem. Ora, se a ideia dos defensores do "plafonamento" é manter o equilíbrio financeiro do sistema público, esse hiato de tempo obrigaria a um financiamento alternativo para a Segurança Social que cubra o desvio de contribuições do sistema. Em princípio, esse défice seria pago por emissão de dívida pública. Ora, é esse custo de transição entre os dois sistemas que é incomportável.

A terceira opção seria não cobrir o encargo, o que descapitalizaria a Segurança Social. A quarta alternativa é a do programa do Governo: aplicar só aos trabalhadores mais novos. Mas a possibilidade - como se nota pelos valores salariais - não teria grande impacto no sistema.

Em debate desde 1984

A possibilidade de "plafonamento" está na lei desde 1984, mas mesmo os Governos de Cavaco Silva nunca a usaram. Nos seus mandatos, os ministérios financiaram-se com recursos da Segurança Social. A Comissão do Livro Branco da Segurança Social (CLBSS) avaliou a dívida em mil milhões de contos (5 mil milhões de euros).

Quando o PS chegou ao poder em 1995, o "plafonamento" voltou a estar sobre a mesa, gerou tensão no próprio Governo e foi adiada. Face às grandes tendências demográficas que ameaçavam o sistema, a Comissão do Livro Branco, por um lado, considerou como marginais as vantagens do "plafonamento" - só visíveis a partir de 2030 e inferiores a 0,3% do PIB em 2035. Por outro, sugeriu a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. Mas evitou fazer propostas concretas.

Quando a CLBSS voltou a ser revista em 2000, o debate acalorou-se. PSD e CDS/PP voltaram a defender o "plafonamento", exactamente nos termos em que surgiu no programa do actual Governo (ver texto na página 3). A nova CLBSS clarificou a forma de financiamento pelo Estado, o que ajudou as contas da Segurança Social, mas criou uma pressão sobre o Estado. Em 2001, o Governo PS fechou uma reforma, com o acordo da CGTP. Mas adiou o problema de financiamento do sistema.

Quando PSD/CDS voltaram ao poder em 2002, a maioria - a braços com uma recessão - não aplicou as suas ideias para a Segurança Social. Foi o Governo PS de novo que, em 2006, antecipou a reforma de 2001 e levou-a a cabo sem acordo à esquerda, introduzindo a esperança de vida no cálculo das pensões. Ano após ano, o valor das pensões tem-se reduzido. Mas de novo adiou a reforma do financiamento da Segurança Social.

PSD/CDS voltaram ao poder em 2011, desta vez com a ideia de estudar o "plafonamento" aos mais jovens. A urgência da reforma foi suscitada por um ministro do CDS. Pedro Mota Soares passou do discurso em que relacionou o "plafonamento" com a sustentabilidade da Segurança Social - "é uma "discussão que o Governo quer fazer ao longo deste ano" - para uma versão mais serena. Será uma reforma a aprovar "ao longo de uma legislatura ou mais legislaturas" e que "não dever ser feita de forma urgente e até em contraciclo". "Sabemos também as dificuldades de transição entre sistemas e é exactamente por isso que é fundamental, para nos habilitarmos a uma decisão correcta, podermos quantificar esses mesmos impactos", afirmou o ministro à Lusa.

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