Ainda grandes mas mais pequenos

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A chama olímpica, que já está em Londres, é um dos símbolos mais importantes dos JogosMuitos atletas já se treinam nas instalações olímpicas londrinas Andrew Cowie/AFP

Durante duas semanas, Londres tentará fazer esquecer a crise, que não lhe passou totalmente ao lado. A cerimónia de abertura, hoje, às 21h, marca oficialmente o início da principal competição mundial

Quando, em 2005, Londres conquistou o direito de organizar os Jogos da XXX Olimpíada, o mundo era muito diferente. Não havia crise, a economia mundial não entrara em recessão. Isso só aconteceu em 2008, quando Pequim recebeu os Jogos, mas a China não poupou para impressionar o mundo. Em 2012, Londres recebe os Jogos de Verão pela terceira vez, depois de também já os ter recebido em 1908 e em 1948, os primeiros depois do fim da II Guerra Mundial, que ficaram conhecidos para a história como os "Jogos da Austeridade". Serão estes terceiros Jogos de Londres, que terão hoje a sua cerimónia de abertura, os novos Jogos da Austeridade? Se comparados com Pequim, sim. Mas nunca serão como os de 1948, que custaram apenas 700 mil libras. Já há muito tempo que os Jogos Olímpicos deixaram de ser uma coisa pequena.

Em relação a Pequim, no entanto, fica a perder em tudo. Sebastian Coe, presidente do Comité Organizador de Londres, já admitia em 2008 que Londres nunca iria produzir o mesmo que os chineses. "O próprio Comité Olímpico Internacional (COI) já reconheceu que Pequim foi a última edição a ter este aspecto. Londres não vai tentar reproduzir a mesma dimensão", reconhecia o antigo atleta. Não reproduziu. Com um orçamento quase ilimitado, os Jogos de Pequim terão ficado por 34,6 mil milhões de euros (a organização nunca divulgou números oficiais), enquanto os de Londres prevê-se que custem 12 mil milhões de euros.

Martin Polley, professor da Universidade de Southampton e especialista em história dos Jogos Olímpicos, evita, no entanto, classificar estes Jogos como os novos "jogos da austeridade", não tendo verificado nenhum esforço particular em poupanças: "Apenas em áreas menos significativas. Por exemplo, o plano original de construir um pavilhão de basquetebol foi abandonado. Em outras áreas, não vi um esforço significativo de poupança. O Comité Olímpico Internacional (COI) exige excesso em todas as áreas, especialmente no que diz respeito à sua própria hospitalidade", disse ao PÚBLICO.

Um novo modelo de Jogos

Das quatro últimas cidades olímpicas (apenas em Jogos de Verão), Londres foi a que menos infra-estruturas permanentes construiu. Foram sete, menos três que o previsto. Pequim teve 12, Atenas foi quem mais construiu (20), enquanto Sydney teve 15 novos sítios em 2000. Tal como acontecera em 1948, a capital britânica apostou no que já tinha - o ténis, por exemplo, não podia ter outra casa que não fosse o All England Lawn Tennis and Croquet Club, palco do torneio de Wimbledon e também a única estrutura utilizada nos três Jogos londrinos - e nos recintos temporários e reutilizáveis - o pavilhão de basquetebol poderá ser usado nos Jogos do Rio de Janeiro em 2016. Ou seja, só por este exemplo, Londres pode também estar a criar um modelo de organização mais económico para futuras edições dos Jogos.

O grande objectivo de Londres agora é mesmo deixar legado e não "elefantes brancos", como, por vezes, acontece nas sedes das grandes competições internacionais - o emblema dos Jogos de Pequim, o imponente estádio olímpico que ficou conhecido como o "Ninho de Pássaro" é um recinto pouco utilizado, quatro anos depois dos Jogos. O grande investimento dos Jogos passou pela zona do Parque Olímpico, onde está concentrada a maior parte das estruturas olímpicas, e que foi objecto de um processo de requalificação total.

Antes da intervenção, Stratford, localizado na zona Este de Londres, era, basicamente, uma enorme lixeira, coberta de edifícios degradados e resíduos tóxicos. Quando os Jogos de Londres terminarem, vai ter várias valências desportivas e uma nova zona de habitação com a Aldeia Olímpica que irá servir como habitação para os atletas durante as próximas duas semanas. Em 1948, refere Martin Polley, os Jogos tiveram impacto zero na cidade: "A reconstrução após a guerra já estava a decorrer apesar dos Jogos e não havia nenhuma intenção de deixar legado."

Em 1948, os ingleses foram mestres do improviso para receber os primeiros Jogos do pós-guerra. Não havia dinheiro para construir recintos novos ou sequer para uma nova Aldeia Olímpica. "Os atletas masculinos estavam alojados nas instalações da força aérea britânica, as mulheres foram para residências universitárias", contam Martin Polley. Foram soluções inventivas para fazer os jogos da austeridade, sabendo-se que seria impossível competir com os Jogos de Berlim em 1936, cuidadosamente orquestrados para mostrar a Alemanha nazi ao mundo. No entanto, com toda a austeridade e poupança, os Jogos de 1948 foram um sucesso desportivo e de organização. "Até deram lucro", reforça o historiador inglês.

Máquina comercial

Os Jogos Olímpicos são uma máquina comercial poderosa. Segundo um estudo da empresa de consultoria "Brand Finance" citado pela CNN, os Jogos são a segunda marca mais valiosa do mundo (atrás da Apple), pelo que são um parceiro desejado pelas grandes multinacionais. Empresas como a Coca-Cola, a Samsung, a McDonald"s ou a Visa aproveitam a exposição universal do evento para venderem a sua marca.

Cada um destes patrocinadores oficiais pagará cerca de 82,6 milhões de euros para poder estar associado à marca olímpica e a organização, por seu lado, retribui com a defesa desta exclusividade. A imprensa britânica está repleta de relatos de "rusgas" feitas por fiscais de marca da organização impedindo padarias e cafés de utilizarem os anéis olímpicos ou 2012, "medalha" e "ouro" na mesma frase. Esta protecção estende-se também às redes sociais e pode, num caso extremo, provocar a expulsão de um atleta que publique na sua conta do Twitter uma foto dele próprio a beber uma Pepsi na Aldeia Olímpica.

Até 12 de Agosto estarão em Londres 10.902 atletas, de 205 países diferentes, a competir em 26 modalidades. Em Atenas 1896, os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, eram 176, de 12 países. Os Jogos cresceram, muito para além das intenções iniciais do Barão Pierre de Coubertin, que pretendia um evento desportivo amador. Em Londres 2012, os Jogos continuam grandes, mas encolheram. A crise assim o obrigou.

Pode até haver lugares vazios para assistir à cerimónia de abertura idealizada por Danny Boyle e que custou 34,5 milhões de euros. Até ontem ainda havia bilhetes disponíveis, os mais caros, segundo o Guardian, com preços entre os 2048 e os 2600 euros. No total, serão cerca de 600 mil os bilhetes que ainda estão disponíveis, quase metade deles são para os jogos de futebol. Sebastian Coe já admite baixar o preço dos bilhetes mais caros. Austeridade? Afinal, também.

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