Veiga Simão divulga espiões

É a última bomba parlamentar e há deputados que querem mesmo devolver o documento a Veiga Simão ou sair da comissão de inquérito aos serviços secretos. Trata-se de uma lista sobre quem é quem na secreta militar e foi enviada para São Bento pelo ministro da Defesa como anexo ao relatório de Nélson Rocha, o auditor que esteve indigitado para substituir Monteiro Portugal.

Os nomes dos espiões portugueses, mais concretamente, dos operacionais dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM), constam de uma lista confidencial que foi enviada à comissão de inquérito parlamentar à gestão das secretas pelo gabinete do ministro da Defesa, Veiga Simão.A lista é um dos anexos à auditoria mandada fazer pelo Ministério da Defesa e que foi uma das razões da demissão do embaixador Monteiro Portugal de director-geral do SIEDM. Essa auditoria foi feita por Nélson Rocha, na qualidade de auditor jurídico nomeado pelo Ministério da Defesa. O mesmo Nélson Rocha que chegou a ser indigitado por Veiga Simão para substituir Monteiro Portugal e que depois o ministro deixou cair.Quase todos os 22 deputados da comissão de inquérito das secretas receberam o documento a 17 de Maio, véspera da audição de Monteiro Portugal na comissão. O relatório foi enviado à Assembleia da República pelo ministro da Defesa, a pedido dos deputados, pois achavam que no inquérito feito por Nélson Rocha deveria haver informação explosiva sobre Monteiro Portugal. Só que vieram agora a descobrir que o inquérito tem informação bombástica mas é sobre a própria secreta militar.Isto porque Nélson Rocha transcreveu para as pouco mais de uma dezena de páginas - que são engrossadas por anexos - as queixas de dois chefes de serviços administrativos, um encarregado do pessoal e outro do sector financeiro, contra Monteiro Portugal. As queixas diziam respeito a contratações de operacionais cujo nome não passou pelo sector administrativo e ao facto de os vencimentos auferidos por estes serem muito elevados comparativamente aos dos funcionários administrativos. Tudo isto levou Nélson Rocha a concluir no seu relatório que a gestão de Monteiro Portugal criou "mau ambiente" e "mau espírito de equipa".O problema é que no meio das queixas contra a gestão de Monteiro Portugal são citados os diversos nomes envolvidos, incluindo os operacionais supostamente secretos, assim como em anexo é incluída uma lista, tipo quadro de pessoal efectivo e colaborador, onde são mencionados os nomes e os ordenados quer de funcionários do SIEDM em Portugal quer de operacionais no estrangeiro. A lista bombástica está a deixar inquietos os deputados da comissão, que assumiram já entre si um pacto de silêncio para que não haja qualquer fuga de informação que comprometa não só os mais altos interesses de Estado, mas também a reserva e a segurança necessárias a quem funciona como operacional do SIEDM, dentro ou fora de Portugal.Entre os membros da comissão há deputados que não se coíbem de considerar que o ministro foi "totalmente irresponsável" ao enviar à AR este tipo de informação. "É o grau zero da política. Isto devia ser um dos segredos de Estado mais bem guardados", disse ao PÚBLICO um deputado. Há também quem vá mais longe e considere que este tipo de dados não devem estar escritos em lado nenhum e que nem o ministro tem direito a saber.Para a maioria dos deputados, a lista não deveria existir e muito menos estar num relatório feito no âmbito de um inquérito a dois funcionários que entraram em ruptura com o seu director. Ou seja, a propósito de uma "guerra de administrativos contra operacionais", Nélson Rocha não podia ter escrito em papel, mesmo que com o carimbo de confidencial, os nomes dos operacionais do SIEDM. Há ainda quem lembre que com este relatório Nélson Rocha deu a Veiga Simão a vitória na guerra contra Monteiro Portugal pelo domínio da informação na secreta militar. Guerra essa que foi confirmada à comissão de inquérito pelo próprio Nélson Rocha, na semana passada, quando, na sua audição, disse que existiam informações que o ministro pedia e o director do SIEDM não dava.Anteontem à noite, a lista dos espiões incluída no relatório do auditor provocou mesmo discussão na reunião da comissão. Isto porque o deputado comunista João Amaral, ao interrogar um dos generais que estava a ser ouvido, citou o documento para lhe perguntar se concordava com os locais onde os operacionais estavam locados. José Magalhães, do PS, protestou então porque um documento confidencial não pode sequer ser usado para fazer perguntas, apesar de a comissão funcionar à porta fechada.Este episódio acabou por desencadear uma longa discussão entre os deputados sobre o que a Assembleia pode ou não saber. Um deles realçou ao PÚBLICO que só têm sido pedidos documentos ao Ministério da Defesa, não havendo qualquer correspondência com o SIEDM. Na reunião da noite de quarta-feira foram ouvidos os generais Fuzeta da Ponte e Aleixo Corbal, os quais terão deixado claro que Monteiro Portugal é "um homem de bem", apesar de discordarem das suas decisões à frente do SIEDM, e que o ministro é que agiu "incorrecta e deslealmente" para com eles.Estes dois generais foram exonerados das suas funções por Veiga Simão, que, alegadamente, os terá mandado vigiar pela secreta militar. Isso mesmo era dito por Monteiro Portugal na carta que enviou ao primeiro-ministro quando se demitiu e confirmado perante a comissão pelo ex-director do SIEDM.No seu relatório, Nélson Rocha não faz qualquer referência a este caso porque, como explicou na semana passada quando foi ouvido pela comissão de inquérito, se tratava de um assunto secreto. Uma explicação um tanto estranha para quem acabou por fazer um relatório que inclui a lista dos agentes secretos. Recorde-se que nessa mesma audição Nélson Rocha reconheceu que não sabia por que razão tinha sido indigitado para dirigir o SIEDM, uma vez que não tinha quaisquer conhecimentos ou experiência relativos a serviços secretos.

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