Troika regressa e decide: mais tempo ou mais austeridade

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A equipa da troika em Fevereiro de 2012 com Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República Daniel Rocha

Desvio orçamental concentra as atenções no quinto exame do programa de ajuda. Possibilidade de ir buscar mais dinheiro ao mercado pode facilitar alívio do défice

Aquinta avaliação da troika a Portugal arranca hoje, mas, desta vez, não é a extensa lista de medidas que o Governo tem de cumprir que vai concentrar as atenções das autoridades internacionais. O executivo já assumiu claramente que há um desvio na execução orçamental deste ano. A troika vai querer saber de onde vem e decidir se é preciso mais austeridade ou se, em contrapartida, fecha os olhos à derrapagem. E, provavelmente, manter um ponto de interrogação quanto a 2013.

Os últimos números da execução orçamental, divulgados na semana passada, vieram confirmar o que já se adivinhava: as receitas fiscais caíram 3,5% até Julho, enquanto o Governo previa um aumento de 2,6% para o conjunto do ano. As Finanças acreditam que as despesas com pessoal e com juros até possam vir a ser menores do que o esperado, mas tal será insuficiente para que o Governo cumpra a meta do défice deste ano - 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB). É este cenário que o executivo irá apresentar à equipa da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) que, durante duas semanas, vai reunir-se com vários membros do Governo, com o PS e com os parceiros sociais.

A expectativa é que a "boa vontade" já manifestada pelas autoridades internacionais se concretize, perdoando o desvio orçamental. Uma mensagem que foi, aliás, deixada ontem pelo vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva. "A troika terá a capacidade para corresponder ao desafio lançado pelo Eurogrupo e pelo Ecofin de que o programa português é bem-sucedido", disse ontem aos jornalistas, à margem da Universidade de Verão da JSD, em Castelo de Vide. O "número dois" do PSD lembrou que o executivo liderado por Passos Coelho cumpriu todos os objectivos que dependiam da sua acção: "Conseguiu ir mais além na redução da despesa, aumentar as exportações, credibilizar a sua imagem, conseguiu que os juros da dívida caíssem para níveis anteriores ao programa de ajustamento", recordou.

Contudo, mesmo que a troika se contente com estes sinais e perdoe o desvio, continua a haver várias questões por responder: mais tempo quererá dizer, também, mais dinheiro da troika? É só a meta deste ano que é flexibilizada? Até que ponto isto "mexe" com a perspectiva de regresso aos mercados em 2013? Perguntas que, certamente, não terão todas resposta nesta avaliação.

Para já, o discurso da troika é contido. Ontem, o porta-voz do comissário europeu dos Assuntos Económicos, Olli Rehn, indicou à Lusa que a quinta revisão do programa de assistência "será centrada nos desenvolvimentos orçamentais em 2012 e na preparação do orçamento de 2013", salientando nada ter a dizer sobre uma eventual flexibilização do programa. A CE e, sobretudo, o FMI têm dado sinais de que poderão manter a "mente aberta" no que toca a relaxar o défice deste ano, desde que o desvio provenha dos chamados "estabilizadores automáticos", ou seja, as rubricas orçamentais que variam com o ciclo económico, como a receita fiscal e as despesas de protecção social.

O FMI tem mesmo avisado que pode ser contraproducente tomar medidas adicionais de austeridade (como o imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal, aplicado em 2011), ao mesmo tempo que recusa aceitar novas medidas extraordinárias, como aconteceu no ano passado com a transferência dos fundos de pensões da banca. Isto deixa a flexibilização das metas como o caminho mais provável. Ainda para mais quando o argumento de que incumprir as metas pode prejudicar a credibilidade do país junto dos mercados parece ter perdido alguma força e dar mais tempo não significa, necessariamente, dar mais dinheiro a Portugal.

"Portugal conseguiu ganhar credibilidade nos mercados e a prova disso é que, mesmo depois de ter reconhecido o desvio orçamental, não houve uma subida das taxas de juro da dívida", diz Teresa Gil Pinheiro, economista do BPI. "Os investidores já tinham assumido que Portugal não conseguiria cumprir à risca as metas", acrescenta Filipe Silva, gestor da dívida no Banco Carregosa.

Mais impostos?

É este capital de confiança dos mercados que pode beneficiar Portugal na hora de negociar uma flexibilização da meta do défice. Ou seja, pede mais tempo, mas não mais dinheiro aos parceiros europeus e ao FMI. "Portugal não tem tido problemas de vender dívida de curto prazo e pode resolver a questão do défice acima do previsto com recurso a mais financiamento no mercado", conclui a economista do BPI. Até ao momento, o Estado já emitiu 16,5 mil milhões de euros de dívida, dos 19 mil milhões previstos para este ano, e tem pago taxas de juro cada vez mais baixas. Um cenário de aparente acalmia que não apaga os receios sobre o regresso aos mercados em 2013.

O que a troika vai decidir sobre o desvio deste ano é tanto mais relevante quanto pode determinar o que vai acontecer em 2013. Se a CE e o FMI perdoarem o desvio deste ano, o Governo continua, ainda assim, comprometido com um défice de 3% no próximo. Ou seja, em 2013, teria de tomar medidas, não só para baixar o défice para o suposto ponto de partida (os 4,5%), mas também para chegar aos 3%.

O caso complica-se ainda mais porque o executivo já tem um desafio de peso para 2013: compensar os cortes dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e pensionistas, que foram "chumbados" pelo Tribunal Constitucional. Ou seja, onde ir buscar medidas que tapem um buraco de 1,8 mil milhões no orçamento, não só de 2013, mas, pelo menos, até 2015.

A hipótese mais falada tem sido a de lançar um novo imposto extraordinário em sede de IRS, que subtraísse, pela via fiscal, um dos subsídios (ou parte) a todos os portugueses. Contudo, o FMI já deixou claro que espera que a alternativa não venha dos impostos, para manter a regra de consolidar sobretudo através da despesa. A questão será discutida nesta avaliação da troika, mas esta deverá aguardar pelas ideias do Governo, no âmbito do Orçamento do Estado de 2013. com Sofia Rodrigues

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