Durão Barroso promete impulsionar reforço da integração da zona euro

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Durão Barroso ontem, durante o discurso do estado da União Europeia VINCENT KESSLER/REUTERS

Discurso sobre o "estado da União" foi aplaudido no Parlamento Europeu, mas os deputados desafiaram o presidente da Comissão a passar das palavras aos actos

Durão Barroso comprometeu-se ontem a avançar brevemente com propostas destinadas a reforçar a integração e a coordenação das políticas económicas europeias, desferindo pelo caminho duras críticas à abordagem "intergovernamental" adoptada pelos governos do euro na gestão da crise da dívida.

"Foi uma ilusão pensar que podíamos ter uma moeda comum e um mercado único com abordagens nacionais para as políticas económicas e orçamentais", afirmou o presidente da Comissão Europeia no seu discurso anual sobre o "estado da União" no Parlamento Europeu (PE). "[Hoje, trata-se de] evitar outra ilusão de que podemos ter uma moeda comum e um mercado único com uma abordagem intergovernamental", prosseguiu.

Para que a zona euro seja credível, afirmou Barroso, precisa de funcionar segundo o "método comunitário" de decisão - ou seja, com base nas propostas legislativas da Comissão submetidas à aprovação do Conselho de Ministros, geralmente em conjunto com o PE. Na actual crise, "a autoridade independente da Comissão" é mais importante do que nunca", porque "a cooperação intergovernamental [em que a unanimidade é a regra] não é suficiente para tirar a Europa desta crise", considerou. "Um certo intergovernamentalismo pode ser a morte da Europa unida tal como a conhecemos", observou.

No seu discurso mais integracionista de sempre, Barroso afirmou: "A crise da dívida é antes de mais uma crise de confiança (...) nos nossos dirigentes em geral, na Europa e na nossa capacidade de encontrar soluções [para] o maior desafio [da história da União Europeia]. Precisamos de determinação para soluções globais e uma maior ambição para a Europa." "Se não avançarmos na integração, corremos o risco da fragmentação. [É] uma questão de vontade política [e] uma prova de fogo para toda a nossa geração", defendeu.

Perante um auditório largamente favorável ao reforço da integração, mas crítico face à timidez da sua acção desde o início da crise, Barroso procurou marcar a sua posição: "[A Comissão] é o governo económico da Europa e não precisamos de mais instituições."

A afirmação dirige-se implicitamente à França e Alemanha, que querem manter o controlo da coordenação das políticas económicas no Conselho Europeu e conferir ao seu presidente, Herman van Rompuy, a liderança das reuniões dos países- membros do euro tanto ao nível de chefes de Estado ou de governo, como dos ministros das Finanças.

Neste contexto, Barroso comprometeu-se a apresentar "nas próximas semanas (...) propostas para um quadro coerente para aprofundar a coordenação económica e a integração, sobretudo na zona euro".

Barroso foi de novo ao encontro das reivindicações dos deputados, ao concretizar numa proposta legislativa as ideias já avançadas antes do Verão - sob pressão da França e Alemanha - para a criação de uma taxa sobre as transacções financeiras (ver texto ao lado). E, pelo caminho, referiu sem se comprometer a ideia particularmente cara ao PE relativa à emissão de dívida em comum através de euro-obrigações, ou eurobonds, embora numa perspectiva de longo prazo e de evolução no final de um processo de integração, tal como é defendido pela Alemanha. "Quando a zona euro estiver plenamente equipada com os instrumentos necessários para assegurar tanto a integração como a disciplina, a emissão conjunta de dívida será vista como um passo natural e vantajoso para todos", afirmou. Estes instrumentos, a que preferiu chamar "obrigações de estabilidade", deverão ser "desenhados de uma forma que recompense os que cumprem as regas, e penalize os que não" o fazem.

"Provas de combatividade"

"Esperámos durante muito tempo, mas finalmente deu provas de combatividade", reagiu Martin Schulz, presidente do grupo socialista, o segundo do PE, durante o debate que se seguiu. "O senhor está no coração das instituições europeias e ouvimos aqui que está pronto a bater-se, se necessário, para defender o método comunitário e, por isso, em nome do meu grupo, faço questão de o felicitar calorosamente", afirmou o deputado alemão.

Guy Verhofstadt, líder dos liberais, o terceiro do PE, desafiou, por seu lado, Barroso a repetir no Conselho Europeu a mesma mensagem que ontem deixou no PE. "Tem de repetir [aos líderes] que o método intergovernamental não pode funcionar", avisou. E os liberais querem que a Comissão vá mais longe e apresente antes da cimeira de 17 e 18 de Outubro aos governos um plano global de saída para a crise.

"O senhor é o chefe do executivo do governo económico [e] por isso, o PPE pede-lhe com urgência para desempenhar plenamente o seu duplo papel de apresentação de propostas e de aplicação da legislação", pediu igualmente Joseph Daul, presidente do grupo conservador (PPE), o maior do PE e o principal apoiante de Barroso. "A Comissão tem um papel capital a desempenhar que é a garantia do interesse europeu." "É difícil, é urgente (...), mas é indispensável, e é por isso que este parlamento lhe deu a sua confiança no início do seu mandato e continua a dá-la". E o deputado francês concluiu: "Caro José Manuel, peço-lhe para ir ainda mais longe nas suas ambições porque é urgente salvar o euro."

Barroso "disse muitas coisas muito certas", reconheceu a liberal francesa Sylvie Goulard. Mas interrogou-se: "Porque é que hoje deveríamos acreditar em si? Porque é que o senhor, que está há sete anos à frente da Comissão e é há dois anos o piloto do barco comunitário, esperou até hoje? Não se esqueça que, (...) se desiludir, a sua responsabilidade perante a história será enorme, mas a nossa também será, se ficarmos simplesmente a contemplar o desastre."

"Falou lindamente e gostava de o felicitar pelo seu discurso, mas não é a falar que vamos sair da crise", disse a liberal holandesa Sophia in"t Velt. "Nos últimos sete anos teve a posição mais poderosa na UE: uma grande parte desta crise, incluindo a crise política, desenrolou-se sob a sua supervisão." E continuou: "O Parlamento deu-lhe a sua confiança em 2004 e em 2009. [Mas], senhor Barroso, porque é que havemos de ter confiança desta vez em que cumprirá e que merecerá a nossa confiança nos próximos três anos?"

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