Quatro pessoas num quarto

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"Deixámos de ter condições para apoiar as famílias", diz o assistente social

Duas famílias confrontadas com o desemprego. Uma regressou a casa dos pais, outra pondera mudar-se para uma casa em ruínas

Augusta regressou a casa dos pais. No seu antigo quarto, arrumam-se agora quatro pessoas: ela, o companheiro e os dois filhos. Não são gémeos que dormem a noite toda num berço montado ao lado ou aos pés da cama. A menina tem dez anos e o menino três e estavam ambos habituados a adormecer no seu próprio quarto.

Engravidou muito cedo - frequentava o 12.º ano. Teve a filha aos 18. Deixou a casa dos pais mal se organizou com o namorado, estava a criança com dois anos. Trabalhava numa sapataria e o mecânico numa oficina. Em Julho de 2011, ele ficou desempregado. Em Fevereiro deste ano, ela foi atropelada na Rua de Sá da Bandeira, no centro do Porto. Tíbia partida. Teve de recuperar. "Já trabalho a tempo inteiro, mas estou mais paradinha. Não subo escadas. Não posso fazer grande esforço. O seguro ainda paga 30% do meu salário."

Juntos, traziam uns 1100 euros para o apartamento que alugaram em Gondomar. "Com esta coisa da troika, há mais descontos. E gasta-se mais. Subiu tudo." Mas o que fez a sua vida voltar atrás foi a situação do companheiro. Perdeu o subsídio de desemprego em Março. E, sem isso, como pagar 350 euros pela casa, 189 pelo carro, à volta de cem pela água, a luz, o gás? O menino frequenta o infantário da Obra Diocesana. A menina tem acção social escolar limitada a uma parte dos livros e a um desconto nas senhas de almoço.

Agora, arruma-se a família inteira num pequeno quarto. O quarto que fora de Augusta e que há tanto os pais tinham transformado numa sala de estar. De noite, abrem-se os dois sofás. O casal deita-se num, as crianças no outro. "É o desânimo. É voltar à estaca zero." Dá-se bem com os pais, mas sente muita falta do seu espaço, da sua privacidade.

Inscreveu-se em habitação social. O processo foi indeferido. Morou dois anos fora do Porto. E, pelas regras da DomusSocial, a empresa municipal de habitação, não basta ter um rendimento inferior a 1491 euros ou nenhum membro da família ser proprietário, co-proprietário, usufrutuário ou detentor do direito de habitação de um imóvel. Tem de residir no concelho há pelo menos cinco anos, num local que não cumpra condições mínimas de segurança ou salubridade ou em condições de manifesta sobrelotação.

Desde o início do ano, a Câmara do Porto já instruiu 984 pedidos. No ano passado foram 724. Umas 200 famílias aguardam vaga para uma oferta que encolheu, com a demolição dos bairros de São João de Deus e do Aleixo. Ainda há pouco, no Bairro do Cerco, a Polícia Municipal desfez uma tenda de uma família com oito elementos.

Numa rua atrás da de Augusta, um casal com uma criança de 12 anos, um cão e um gato, fala em passar de um T1 pelo qual paga 285 euros para uma casa em risco de ruir, a ver se com isso consegue comover os serviços municipais. Ela, de 36 anos, perdeu o emprego no talho de um hipermercado há um ano e meio. Ele, de 35, viu há quase dois anos ser extinto o seu posto de trabalho de distribuição de produtos alimentares.

O Instituto de Emprego e Formação Profissional chamou Marta para um Programa de Inserção: durante nove meses, foi auxiliar de acção educativa numa escola. E encaminhou Nuno para as Novas Oportunidades. "Tinha o 6.º ano. Consegui ficar com o 9.º. Subi as habilitações, mas continuo sem trabalho", diz ele. "Nunca precisámos de recorrer a nada, sempre ganhámos para a nossa vida, mas, daqui a cinco meses, quando o fundo de desemprego acabar, não sabemos como vamos fazer. Se não conseguir nada, ficamos sem abrigo." Correram para a Junta de Freguesia de Campanhã. Pediram ajuda para requerer habitação social. Parece-lhes fundamental consegui-la para "dar algum conforto à menina". A miúda é doente pulmonar crónica. Vive sem parte dos pulmões. "Há cinco anos, o médico dava-a como morta aos 13 anos", comenta a mãe. "Nós viemos para esta casa por causa dela, mas vamos deixar de a poder pagar..." Poupam o máximo que podem. A mãe já vai levar a filha à escola sem passe, sem bilhete, a arriscar apanhar uma multa. E o companheiro vai dando uma ajuda ao pai, que é electricista, no arranjo de frigoríficos e outros electrodomésticos, mas até isso está a desaparecer. "Eu peço a cão e gato que me diga, se souber de alguma coisa."

José António Pinto, o assistente social que acompanha estas famílias, julga que se atingiu o limite: "Deixámos de ter condições para apoiar as famílias." Naquelas duas casas já se falou em emigrar e nas duas se recuou. "Isto vai piorar, de certeza", prevê Augusta, sentada na cozinha dos pais. "O meu marido tem pouca escolaridade. Não fala outras línguas. Ir e deixar-nos aqui... Lá fora, as coisas também não estão fáceis. Ir assim, de olhos fechados, sem conhecer alguém, sem ter apoio. Muitos vão assim e ficam a dormir em condições que sabe Deus..."

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