Mais de mil portugueses mudam-se para a Suíça todos os meses

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José Conde (clarinetista, aqui na Casa da Música, no Porto) está a fazer mestrado em Zurique Gonçalo e Ana no parque de Gurten, Berna, no Inverno PAULO PIMENTA

Propagam-se por toda a Confederação Helvética, em particular pelos cantões de Vaud, Genebra, Valais e Zurique. Os homens já não têm de abrir caminho. Gonçalo seguiu a namorada e muitos outros tentam ali a sua sorte. Partem aos milhares

Não, não queria fazer vida sem ela, andar para aí atordoado, como um adolescente virgem. A namorada arranjou trabalho num laboratório de análises clínicas e Gonçalo Faustino veio atrás dela. "Faz o que gosta. É respeitada. Nunca a vi tão feliz." Ele também está feliz, embora ainda procure trabalho em Berna.

Já lá vão quase 50 anos desde que os suíços puseram os portugueses na lista de trabalhadores de "áreas distantes", demasiado diferentes para se habituarem aos seus usos e costumes. Nos últimos anos, os portugueses até parecem estar a tomar a Confederação Helvética de assalto. Desembarcam, em média, mil por mês. Só os alemães os superam. Quem sabe por quanto tempo? A vizinhança alemã - de Baviera e de Baden-Württemberg - está quase com pleno emprego.

Nem meio milhar havia há 40 anos, altura do desembarque de Manuel Beja, conselheiro das comunidades portuguesas. Era desmedido o poder de atracção de França e desencorajador o estigma na Suíça, só revisto na sequência da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, em 1986. No final do ano passado, já havia 224.171, com maior incidência em Vaud, Genebra, Valais e Zurique.

Tudo na história contada pelo rapaz moreno, magro, durante um almoço frugal, numa cantina de Berna, era revelador de novas tendências migratórias, como podia ajuizar Manuel Beja, que viera de Zurique para saber do filho de um velho amigo lá da terra - Alcobaça. Só faltava Ana, a namorada de quem tanto se falava.

Ana coleccionava trabalhos precários e mal pagos desde que terminara o curso de Análises Clínicas, na Escola Superior de Saúde, em Coimbra. Gonçalo também tinha um currículo demasiado extenso para a idade. Era treinador na Escolinha do Figo, em Cascais. Licenciado em Educação Física pela Escola Superior de Educação de Leiria, já fora professor de natação, professor primário, treinador de hóquei, monitor de canoagem, montador de luz e som em concertos de Tony Carreira. Até quando teriam de suportar aquilo? "Já tínhamos decidido que, quando um arranjasse algo que desse para os dois, o outro abdicaria, porque aquilo em Portugal está a ficar asfixiante. Renda, água, luz, alimentação, portagens... Sem a ajuda dos pais não era possível."

O técnico, de 31 anos, conhece bem a namorada, de 26. Está há quase sete anos com aquela rapariga de pele clara, cabelo castanho muito direitinho. Arriscou dizer-lhe: "A Suíça é o país indicado para ti." Disse-lho a pensar no gosto pela natureza, na preocupação com o bem-estar animal, no prazer da leitura, no rigor com que trata de tudo. Ela mandou dois currículos, sem grande convicção. De um sítio, recebeu um não. Do outro, um talvez. Foi desse laboratório que lhe telefonaram, depois, a marcar uma entrevista. E era lá que ela estava enquanto almoçávamos.

Manuel Beja ouvia tudo com interesse. Os portugueses começaram a vir nos anos 1980. A maior parte entrou com autorização de residência sazonal, que lhes permitia trabalhar até nove meses na construção, na restauração, na agricultura. Só depois de 36 meses de trabalho podiam solicitar a autorização de residência anual, que consentia a reunificação familiar. Volvidos cinco anos, estavam aptos para a autorização de residência permanente, que lhes conferia todos os direitos não políticos.

Durante anos, densas redes de família, vizinhança, amizade facilitaram a rápida difusão de oportunidades de emprego entre portugueses. Não por acaso, há, por exemplo, muita gente de Bragança em Schaffhausen, da Póvoa do Lenhoso em Zurique ou de Castro Daire em Zermatt. Vieram primeiro os homens, quase sempre. Só depois as suas mulheres e as suas crianças.

Gonçalo e Ana escaparam àquelas tradições. Muitos escapam àquelas tradições agora que a Internet se generalizou e que o tratado de Schengen derrubou as fronteiras, mas os suíços já protestam. Desde os acordos bilaterais assinados com a União Europeia em 2002, há mais 800 mil habitantes, o tráfego rodoviário e ferroviário aumentou, o preço da habitação subiu, nalguns sítios explodiu.

Ana aterrou a 26 de Novembro de 2011. Celebrou o Natal e a passagem de ano longe da família e dos amigos de sempre. Gonçalo visitou-a no final de Janeiro, por altura do aniversário. Dir-se-ia que a terra quase tremeu. Nunca estivera tanto tempo sem lhe tocar. "Claro que hoje temos o Facebook e o Skype para matar saudades, mas não há nada como aquele abraço."

Ficou encantado com a cidade. "Parece uma vila. É mesmo o que eu gosto. Decidi que, quando ela fosse a casa, eu vinha com ela." Qual o problema de vir sem trabalho ainda? "Ela tem um salário elevado, tem um contrato sem termo, tem tudo", diz, na sua voz pausada, suave. "Isso dá-lhe uma estabilidade que permite que eu esteja cá e não exerça uma actividade profissional."

Não quer eternizar o que, apesar de tudo, sente como um desequilíbrio. Chegou a 23 de Abril e desde então procura um trabalho. A língua conta mais do que antes de a Suíça ter aderido ao espaço Schengen, em Dezembro de 2008. "Houve sítios que me disseram que não, por não falar alemão, outros por não ter experiência. Houve sítios que aceitaram o currículo, outros que disseram que na minha área não têm e não querem saber se estou disposto a fazer outra coisa."

Tem de limpar o apartamento - uma sala, uma cozinha, um quarto de dormir e uma casa de banho, que custa uns bons mil francos suíços. E encontra sempre afazeres mais interessantes, como quando tem de estudar. Está a apender alemão. Joga futebol com uns rapazes que entretanto conheceu. Dá umas voltas de bicicleta. O Eichholz, junto ao rio, é um dos seus sítios favoritos. "Em terra onde fores ter, faz como vês fazer", ensinou-lhe a mãe. E ele faz. Atira-se, deixa-se levar pela corrente. "Só me falta o mar. Faço surf e é o que mais me tem custado. Com a família vou mantendo contacto. Com os amigos também. Agora o mar é que não há como."

Recuperou esperança. E isso vale ouro. Isso e estar ao pé da namorada num sítio verde, sossegado, arrumado. Há-de aparecer uma oportunidade num país que tem tido praticamente pleno emprego.

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