O que está em causa com a "refundação"

Passos reabriu o debate sobre as funções do Estado. Tem o dever de dizer o que lhe vai no pensamento

Diz António José Seguro que a "refundação" do memorando de entendimento assinado com a troika cria "uma singularidade no léxico político português" porque, em boa medida, não se sabe exactamente o que quer Passos Coelho significar com essa palavra pomposa. Qualquer cidadão atento poderia acreditar que a "refundação" serviria para o Governo desconstruir e erguer de novo os alicerces do programa de ajustamento. Mas se isso fosse verdade, seria necessário que houvesse uma renegociação, algo que Passos Coelho explicitamente negou. Acto contínuo, uma refundação de um acordo sem qualquer tipo de renegociação não é refundação nenhuma. Será, e é aí que o Governo pretende chegar, uma mudança radical na forma como o Governo pretende cumprir o memorando, principalmente as suas metas do défice. Ou, por outras palavras, o que Passos Coelho nos anunciou não foi uma nova forma de viver com a troika mas uma "refundação" das funções do Estado que permitam ao ministro das Finanças cortar 4500 milhões de euros na despesa pública. Um ano e meio depois de chegar a São Bento, Passos prepara-se enfim para cumprir o que prometeu na campanha eleitoral: o Estado vai ser alvo de cortes, mas com a diferença de que não serão nas gorduras que não existem mas nas funções sociais relevantes que o país foi construindo lenta mas inexoravelmente desde os anos 60. Mais do que uma operação contabilística para satisfazer o défice, Passos convoca-nos para uma mudança nos fundamentos do regime. Que implica uma revisão constitucional profunda e o recuo da protecção social do Estado para os níveis dos países subdesenvolvidos. A menos que a singularidade lexical seja esclarecida, exige-se que o Governo diga o que nos espera. O que está em causa não é um número: é a desmontagem de um edifício para o qual contribuíram duas gerações de portugueses.

O equívoco ucraniano

As eleições legislativas ucranianas foram ganhas, sem surpresa, pelo partido do Presidente Ianukovitch. Mas a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) assinalou várias irregularidades no processo eleitoral, que considerou um retrocesso em relação às presidenciais de 2010. A sombra mais grave sobre esta eleição permanece, no entanto, o facto de a líder da oposição e antiga primeira-ministra, Iulia Timochenko, ter sido condenada após um julgamento pouco claro. Somado a este facto, o chumbo da OSCE mostra que muitos problemas continuam por resolver neste país entalado entre a pressão de Moscovo e a rejeição de Bruxelas. A Ucrânia é mais importante para a Europa do que a Europa pensa, mas é aos ucranianos que cabe assumir que o caminho do futuro é o da transparência, na política e na economia. Para a Ucrânia, estas eleições foram uma oportunidade perdida nesse caminho.

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