Somos a nova Grécia?

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A humildade, em política, nada mais é do que conhecermo-nos a nós próprios como somos e não como gostaríamos de ser

Muitos políticos referem-se agora à situação grega como uma situação a evitar por Portugal ou como a situação que iremos ter no futuro. Mas qual é a situação da Grécia, de facto? Uma coisa é a situação grega vista pelos gregos, outra coisa é a situação grega aos olhos de quem emprestou dinheiro. Sim, porque fala-se muitas vezes dos fundos de investimento internacionais, mas o que eles fazem é movimentar o dinheiro de umas pessoas para outras. Por isso, quando os gregos receberam dinheiro, houve alguém que lho emprestou, nomeadamente uma parte foi emprestada pelos portugueses. Assim, quando alguns políticos portugueses propõem que não paguemos a dívida ou que finjamos que a queremos pagar para depois não a pagarmos, não se estará a fazer uma acção à Robin dos Bosques, de roubar aos ricos em benefício dos pobres; o que se estará a fazer é a tirar dinheiro a uns povos para dar a outros. E os povos que perdem esse dinheiro ficam naturalmente desagradados. Existiria também a possibilidade de que a União Europeia (UE) criasse dinheiro para emprestar a Portugal, mas tal não só teria grandes riscos de gerar uma onda inflacionária, como actualmente não é possível.

Para a UE é hoje claro que a forma como a Grécia se apresentou a si própria quando se juntou ao euro estava cheia de falsidades (forma em "politiquês" para dizer "aldrabices"). Mas a verdade é que o sonho grego está rapidamente a transformar-se num pesadelo. Será possível dizer alguma coisa acerca da Grécia que vá para além da opinião ou do relativismo criativo que alimenta o discurso político em Portugal sobre a crise? Pensamos que sim, mas aquilo que pode ser dito objectivamente é muito pouco; apesar disso, começando por aí, talvez cheguemos a entender melhor o que se passa em Portugal.

O que o Governo grego previu que seria o futuro da Grécia é muito diferente do que está a ser. O actual Governo é democrático, mas é um facto que os gregos cometeram o erro de votar num projecto político irrealista e falso. As pessoas são capazes de votar em fantasias irrealistas, desde que elas sejam ditas por políticos de quem elas gostam, tal como foi testado em 2006 pelo neurocientista Drew Westen. Por isso, é tão importante, em democracia, consciencializar as pessoas para que votem em candidatos por aquilo que eles dizem e não por gostarem ou não deles. As previsões dos gregos falharam, porque eles preferiram manter uma vida de privilégios - que esperavam manter pelo facto de o país pertencer à UE - a terem de trabalhar mais. Simplesmente esquecerem-se de que, por exemplo, os alemães e outros povos europeus trabalham muito mais do que eles.

Para que não se passe em Portugal o que se está a passar na Grécia, é essencial que o próximo governo fortaleça o que de positivo foi feito na Educação, na Segurança Social e na Saúde, através de um financiamento baseado na realidade objectiva das relações económicas que Portugal mantém com os outros países. A credibilidade internacional de quem governa o nosso país é essencial, não podendo o próximo governo ceder ao delírio de falar de reestruturação da dívida ("politiquês" para dizer "não pagar"), que deu os resultados maus que deu na Argentina. É do interesse da UE que a economia portuguesa funcione bem, e, nesse sentido, o documento da troika, apesar das suas limitações, constitui um esforço honesto para melhorar o estado da nossa economia. O que está lá escrito é o que devíamos ter feito desde que integrámos a UE, mas que não fizemos. A nossa incapacidade prende-se, tal como no caso dos gregos, a uma dificuldade, que, no nosso caso, consiste em resolver o conflito entre dois sonhos: o sonho revolucionário e o sonho europeu. Há partidos que ainda sonham com o PREC, a propósito, por exemplo, da preservação na íntegra da actual Constituição, e outros ainda sonham com a UE, como a panaceia para os nossos problemas. Mas há que ser claro: a UE não está minimamente interessada em nada que se pareça ao PREC, como aliás o desaire europeu da canção dos Homens da Luta veio tornar ainda mais claro. O que a UE quer é que nos tornemos prósperos, no quadro de uma economia de mercado baseada em estruturas organizacionais exigentes. Mas, para tal, temos de mudar os nossos comportamentos e o Estado tem de ser capaz de os fiscalizar. Para que o faça de forma eficaz, o Estado não pode estar, directa ou indirectamente, envolvido no mercado. A essência do acordo com a troika põe o partido actualmente no Governo em fortes dificuldades para cumprir o acordo. A razão desta dificuldade reside no facto de que este partido apoiou consistentemente a ideia, nos últimos seis anos, de que é possível compatibilizar ambos os sonhos, através da fantasia de que o objectivo da UE era a criação dum Estado social em Portugal, independentemente do seu custo. Uma UE em forte competição com as economias emergentes não tem nem vontade, nem capacidade para tal.

A humildade, em política, nada mais é do que conhecermo-nos a nós próprios como somos e não como gostaríamos de ser ou como gostaríamos que os outros pensassem que somos. Teremos no futuro a situação económica que o nosso trabalho e a nossa organização permitir. Prometer mais é aldrabice. Jurista, cientista político e professor universitário; físico, neurocientista e investigador universitário

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