Espanha Em Castela e Leão todos têm o seu Kit

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O serviço de transporte a pedido já transportou nos últimos anos um milhão de pessoas, de 3500 localidades PAULO RICCA

Nas aldeias mais remotas, e são muitas nesta zona de Espanha, a população tem ao dispor um serviço de transporte a pedido

a Na década de 1980, uma série de televisão, Knight Rider, polvilhou o imaginário de milhares de crianças com um vislumbre do futuro. Michael Knight, o herói desta história, apontava a voz ao relógio de pulso e chamava: "Kit, vem buscar-me." E o carro preto, mais obediente do que um cão de guarda, lá ia. Sem se saber, estavam lançadas as bases de um sistema que promete ser a solução que o transporte público rural precisava: um Kit à medida, para todos.

Com uma área total (94.226 quilómetros quadrados) superior à do território português (92.391 quilómetros quadrados), Castela e Leão, autonomia espanhola que confina a oeste com a fronteira portuguesa, tem pouco mais de 2,5 milhões de habitantes. De 2248 municípios, apenas 57 têm mais de mil habitantes. Pelo contrário, localizam-se nesta região mais de metade dos municípios espanhóis com menos de cem residentes (539 de um total de 1036).

Esta dispersão transformou o transporte público num enorme desafio, sobretudo pela falta de rentabilidade. Ao PÚBLICO, José Cabrejas, director-geral de Transportes de Castela e Leão, reconhece que "a mobilidade no meio rural é uma peça fundamental de inclusão social". "É uma questão de serviço público", assume.

Do discurso à prática, em 2004 foi adoptado em Castela e Leão um sistema de transporte à chamada, numa experiência semelhante a outras já testadas na Suécia, Holanda, Reino Unido ou França, por exemplo, e na qual vários municípios portugueses já mostraram interesse. A intenção era pôr cobro a um cenário de isolamento perceptível em muitas das localidades que já não tinham transporte público, sobretudo porque as carreiras regulares já tinham sido abandonadas. "E as que havia não satisfaziam as necessidades de mobilidade da população, por terem itinerários demasiado longos e horários pouco adequados", diz o mesmo responsável.

Custo versus eficiência

O custo de exploração tornou-se um fardo demasiado pesado devido ao baixo índice de ocupação, o que causou sérios problemas de rentabilidade. "O que as pessoas precisavam era de ir ao médico, aos serviços administrativos, como os bancos ou o notário, e abastecer-se de mantimentos", explica José Cabrejas. Por isso, adianta, "este sistema é um complemento das carreiras regulares já existentes". Simplesmente, vai buscar as populações mais afastadas e trá-las até aos interfaces com outros meios de transporte, em centros urbanos mais desenvolvidos.

O objectivo, segundo José Cabrejas, era atingir a máxima eficiência com o mínimo custo. E isso conseguiu-se com um sistema em que a prestação efectiva do serviço de transporte é feita mediante uma solicitação prévia, um pouco à semelhança do que acontece com os táxis. Através de um número de telefone, pela Internet ou uma simples mensagem enviada por telemóvel, qualquer pessoa pode solicitar o transporte a um centro de reservas, que transmite o pedido em tempo real ao operador do veículo.

O serviço é prestado entre três a cinco dias por semana. Consoante os pedidos que cheguem à central, calcula-se a rota necessária e o tipo de veículo a utilizar: miniautocarros, táxis rurais ou mesmo veículos todo-o-terreno. Os trajectos são bastante mais curtos e criam uma rede, articulada com os restantes enlaces de transportes públicos, com viagens que não ultrapassam os 20 minutos. "Evitamos ter de andar com os autocarros a toda a hora, muitas vezes a circular vazios", explica Cabrejas. Cada viagem tem o custo de um euro ao utilizador. A despesa "é quase inteiramente suportada pela administração pública", representando uma custo de 16 milhões de euros: metade paga a logística de reservas (central, tecnologia) e a outra metade o custo anual de exploração.

"Permite-nos poupar 75 por cento do que seria gasto com o serviço normal, porque fazemos apenas os quilómetros necessários nos dias precisos,", vinca o director-geral. Os problemas de rentabilidade foram ultrapassados ao longo dos últimos seis anos e, segundo José Cabrejas, com vantagens para todos. Principalmente para o utilizador, que passa a dispor de um transporte público no momento em que realmente necessita e que vê, assim, satisfeitas as suas necessidades de mobilidade, com qualidade e rapidez, facilidade de utilização e custos reduzidos.

O transporte a pedido permite ao operador cortar nos custos de exploração, gerir os recursos em tempo real com recurso às novas tecnologias e aumentar o número de passageiros. Quem paga - a administração pública, no caso - consegue uma optimização dos recursos utilizados e ganha ferramentas mais precisas de controlo de qualidade do serviço prestado, para além da poupança real nos custos económicos e ambientais.

A leste da fronteira com Portugal, actualmente, o serviço chega a mais de 3500 localidades e já transportou um milhão de passageiros, tendo apenas o registo de 14 reclamações. Dois terços dos utilizadores são mulheres e mais de metade têm mais de 65 anos. Do oeste da linha que já não nos separa, José António Cabrejas admite que já foi contactado por "vários municípios do Norte e Centro de Portugal" e mostra-se "disponível" para ajudar quem quiser implementar este sistema.

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